Fraude | Cade investiga bancos por manipulação do real

Suposto esquema seria operado por instituições estrangeiras como Citigroup, HSBC, JP Morgan Chase, Merril Lynch e Morgan Stanley, entre outras

cassino bancos

por Carlos Drummond, na Carta Capital

Com queda recorde de participação no PIB e nas exportações, fragilizada pela inexistência de uma política consistente para o setor e vítima das falácias de uma presumida era pós-industrial, a manufatura brasileira talvez tenha se tornado vítima da maior trapaça da história dos negócios no País. O suposto golpe, investigado desde julho pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica, é a manipulação da taxa de câmbio Ptax por um cartel de 15 bancos estrangeiros, de 2007 até 2011, quando o ex-ministro Guido Mantega determinou a cobrança de IOF de até 25% sobre derivativos no mercado futuro de dólar para “reduzir as posições vendidas em excesso”.

O esquema dos bancos golpeou em cheio cerca de 800 das 1,3 mil grandes indústrias, responsáveis por 90% das exportações, aponta José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil.

O período investigado, de 2009 a 2011, caracterizou-se por um ciclo de forte apreciação da taxa de câmbio resultante de um movimento especulativo que não se refletiu no fluxo cambial, mas em operações com derivativos e na movimentação de estoques de posições dos bancos. Isso acelerou a deterioração da estrutura produtiva, aumentou a importação de produtos e componentes e desmantelou várias cadeias. Mercados para produtos brasileiros foram perdidos, muitas fábricas foram fechadas e milhões de empregos desapareceram.

Invasão-Externa
O aumento das importações e a participação da indústria no PIB

Roberto Giannetti da Fonseca, presidente do Conselho Empresarial da América Latina, estima um sobrevalor de 10% em consequência da manipulação. O levantamento inclui só manufaturados, com exportações de 100 bilhões de dólares por ano. O sobrevalor anual corresponde a 10 bilhões de dólares, ou 50 bilhões no período. A 4 reais por dólar, chega-se aos atualizados 200 bilhões de reais.

A manipulação ocorria especialmente no último dia de cada mês, na rolagem das operações dos contratos futuros. Manipulava-se a taxa Ptax para obter um ganho adicional àquele da arbitragem de juros (captação externa de recursos a custo zero e aplicação no País a 14% ao ano).  “Em cada virada, obtinham de 1% a 1,5%. Entravam no mercado futuro e, se a taxa estava em 1,80 real por dólar, ganhavam só a arbitragem. Aí cada um colocava alguns bilhões e juntos baixavam a taxa para 1,75. Ganhavam 0,05. Somavam um ganho em torno de 1% ao mês com a arbitragem da Selic, mais um ganho cambial ilegítimo de 1% a 1,5%, totalizando mais de 2%, retorno inexistente em termos internacionais”, descreve Fonseca.

De 2005 a 2010, o movimento do mercado de derivativos, “ajudado” pela ação do cartel, cresceu de 5 bilhões para 25 bilhões de dólares por dia. “Desse total, 80% era especulação, carry trade, operações sanguessugas que não trazem nenhum benefício para o Brasil.” Apesar de ser a 25ª moeda nas transações em geral, o real, por conta da especulação, é a segunda mais negociada no mercado futuro, atrás apenas do dólar americano.

A Ceal e a AEB aguardarão os resultados da investigação do Cade para decidir possíveis ações na Justiça com o objetivo de obter dos bancos o ressarcimento dos prejuízos causados às empresas.

O Cade investiga os bancos Standard de Investimentos, Tokyo-Mitsubishi UFJ, Barclays, Citigroup, Credit Suisse, Deutsche, HSBC, JP Morgan Chase, Merril Lynch, Morgan Stanley, Nomura, Royal Bank of Canada, Royal Bank of Scotland, Standard Chartered e UBS, além de 30 indivíduos.

A manipulação incluiu as taxas de câmbio do real e de moedas estrangeiras, dos índices Ptax do Banco Central, do WM/Reuters e do Banco Central Europeu. O caso está em fase de notificação dos envolvidos. A etapa seguinte é a abertura de um prazo para a apresentação das defesas. Na hipótese de condenação, as instituições seriam multadas entre 0,1% e 20% do faturamento. Para os indivíduos, a punição pode variar de 50 mil a 2 bilhões de reais.

Na audiência pública da Comissão de Assuntos Econômicos sobre o assunto realizada em outubro, o diretor de Política Econômica do Banco Central, Aldo Mendes, disse ser “quase impossível” a manipulação da Ptax. A repetição da mesma resposta pelo vice-presidente-executivo da Febraban, Alvir Alberto Hoffmann, provocou constrangimento. O senador Ricardo Ferraço, autor da convocação, considera a afirmação de Mendes absolutamente precipitada e fora de contexto. “Esse tipo de coisa aconteceu nos Estados Unidos, inclusive com multas já cobradas de instituições financeiras, e é pouco razoável imaginar que não aconteceria aqui.”

Diferenças-entre-preços

Para o economista Pedro Rossi, da Unicamp, pesquisador do mercado de câmbio, “negar qualquer tipo de manipulação não deveria ser a postura do Banco Central, por se tratar de uma instituição reguladora que não deveria advogar pelo mercado”. A Ptax é referência para contratos futuros na BM&F e constatam-se com frequência movimentos bruscos em períodos de vencimento. Além disso, como o mercado à vista é pequeno quando comparado ao futuro, “grandes compras ou vendas de divisas alteram a Ptax e facilitam manipulações”.

A manipulação das taxas de câmbio, mostram os fatos, é corriqueira no mundo. “A ideia de um mercado competitivo, que determina a taxa de câmbio com base em fundamentos, é fantasiosa”, acrescenta Rossi. Os grandes bancos mandam. Uma pesquisa da revista Euromoney, intitulada Euromoney FX Survey, revela que 80% do volume de transações cambiais no mundo em 2014 estava concentrado em dez bancos. Citigroup, Deutsche Bank, Barclays e UBS detêm mais de 50% do mercado. Todos são investigados pelo Cade e órgãos de controle dos EUA e Europa.

Segundo uma nota da assessoria de imprensa do Banco Central, “o sistema em prática no Brasil é superior a outros em funcionamento no mundo, muitos deles operados pelo próprio mercado sem interferência direta de qualquer órgão de controle. As informações coletadas para a formação da taxa de referência Ptax passam pelo crivo da autoridade monetária”.

A instituição não se limita, no entanto, a observar o mercado, uma conclusão possível a partir do pronunciamento do seu diretor na audiência pública. “Ainda assim, mesmo considerando a robustez do sistema de apuração da taxa referencial de câmbio, o Banco Central investiga se operadores e instituições intentaram contra os princípios de conduta, de concorrência e da lisura de suas operações e informações passadas à autoridade monetária.”

Cade
Uma das instituições aceitou fechar um acordo com o órgão federal

Nas operações carry trade, quanto maior a diferença entre juros internos e externos, mais substancial o ganho.  Os juros recordes tornaram o Brasil o paraíso dos investidores entre 40 nações relevantes, segundo o site MoneyYou. O País paga o maior retorno real do mundo. Enquanto nas economias industrializadas os juros reais estão próximos de zero ou negativos, quem aplica por aqui pode receber mais de 7% ao ano acima da inflação com um título público. Neste mês, os juros reais projetados para 12 meses são de 6,55%, os maiores do planeta, mais do dobro do segundo colocado, a Rússia, com 2,78% ao ano.

Os bancos investigados participavam de um esquema internacional e a apuração local começou após um deles pedir ao Cade um acordo de leniência, espécie de delação premiada para pessoa jurídica com fornecimento de informações em troca do não pagamento da multa. Por ter feito delação premiada no exterior, o UBS é apontado como o autor da proposta no Brasil, mas o Cade não confirma e o escritório da instituição financeira em São Paulo recusou-se a falar sobre o assunto.

O banco interessado na delação entregou ao conselho um relatório com cópias de conversas no serviço de mensagens da Bloomberg e e-mails nos quais se combinavam a taxa de câmbio oferecida ao mercado e a quantidade de moedas compradas para influenciar indicadores como a Ptax. Em maio, Citigroup, JP Morgan, Barclays, Royal Bank of Scotland e Bank of America assinaram um acordo com o governo dos EUA e pagarão 5,6 bilhões de dólares em multas pela participação em um esquema de cartel para a manipulação de taxas de câmbio. O grupo é investigado no Reino Unido e na Suíça. Os bancos foram punidos por especulações anteriores nos mercados da Libor e de commodities.

 

 

a reportagem na íntegra aqui: Carta Capital

Estado profundo, eventos profundos: Wall Street, Big Oil e o ataque à democracia nos EUA

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Lars Schall entrevista o Prof. Peter Dale Scott − Global Research, Canadá

livro: “The American Deep State: Wall Street, Big Oil and the Attack on U.S. Democracy

Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Lars Schall: Peter, decidimos conversar, dessa vez, sobre o Estado Profundo. A primeira pergunta que gostaria de fazer-lhe é: por que você insiste em dizer que ainda é importante falar sobre o 11/9?

Peter Dale Scott: Bem, o 11/9 foi momento de grandes mudanças na política externa e também na política doméstica dos EUA; é a razão pela qual quase imediatamente invadimos o Afeganistão e é também a razão pela qual começamos a planejar, quase imediatamente a invasão do Iraque, que se baseou no pressuposto falso de que Saddam Hussein teria alguma conexão com a Al-Qaeda. Onde houve “provas”, eram provas falsas, mas o governo escolheu acreditar nelas. De um ponto de vista norte-americano, as mudanças na política externa talvez não tenham sido tão graves quanto a implementação, naquele dia, do que chamamos de procedimentos para a “Continuidade do Governo” (orig.  “continuity of government” (COG) procedures), e que alteraram radicalmente o status da Constituição dos EUA. Planejaram durante 20 anos o que fazer no caso de emergência gravíssima como o 11/9; o plano foi trabalhado durante duas décadas por Donald Rumsfeld e Dick Cheney, que foram os dois que implementaram aquele plano no 11/9.

 
Edward Snowden

Não conhecemos detalhes daqueles planos, mas acho que podem ser resumidos em três grandes títulos: um deles é vigilância total, sem autorização judicial. Edward Snowden está aí para provar acima de qualquer dúvida que a vigilância é massiva, nos EUA, e por causa da implementação daqueles procedimentos COG. Outro, é a prisão sem mandado judicial; houve mais de mil muçulmanos detidos sem mandato e mantidos presos. Há, na lei comum dos EUA, o que se conhece como habeas corpus: não se pode manter pessoas detidas indefinidamente, sem formalizar alguma acusação contra o detido. Mas mais de mil pessoas foram detidas nos EUA sem acusação; e alguns desses detidos foram torturados. Essa é mudança imensa, enorme, na realidade doméstica, nos EUA.

E o terceiro título-resumo das mudanças é o envolvimento dos militares no que se chama “segurança da pátria” [orig. homeland security] nos EUA. Os militares têm agora papel de polícia, o que é absolutamente novo. Vez ou outra aconteceu de o exército ser chamado para enfrentar uma ou outra crise pontual, como os tumultos que houve em cidades do interior do país, nos anos 1960s. Mas manter um comando permanente do exército para a América do Norte − chamado NORTHCOM – isso é completa novidade; é mudança radical no papel do exército. Falo principalmente sobre isso, em Deep State [Estado Profundo]. Agora, os EUA temos instituições criadas para operar nos EUA sem serem controladas pela Constituição dos EUA. Não sei de outra mudança que possa ser mais radical que essa.

LS: O que é “Estado Profundo”, o que são “Eventos Profundos” e o que o 11/9 tem a ver com ambos?

 
Dana Priest

PDS: Permitam-me apresentar uma definição de “estado profundo” que não é minha. Uma repórter do jornal Washington Post, Dana Priest, escreveu um livro Top Secret America [1], no qual ela diz que agora temos

(…) dois governos: um dos cidadãos, com o qual estávamos habituados, operado mais ou menos às claras; o outro, um governo paralelo e top secret, cujas partes engordaram e reproduziram-se como cogumelos em menos de uma década, até formar um gigantesco universo próprio, que não para de crescer.

Está certo, no sentido de que esse estado profundo crescia como cogumelos ao longo da última década, quando ela escrevia. E isso precisamente por causa das mudanças introduzidas pelo 11/9 e pelos procedimentos para “Continuidade do Governo” (COG), que foram autorizadas e implementadas antes de o último dos quatro aviões estar no chão. Implementaram os procedimentos COG, e depois proclamaram a emergência, três dias adiante, e desde então vivemos sob aquele mesmo estado de emergência, o que significa que, na verdade, a Constituição já não vige como antes.

Você pergunta também sobre eventos profundos. Chamo o 11/9 de evento profundo, porque, desde o início, jamais se soube exatamente o que aconteceu. Até jornalistas comentaram a confusão e a profusão de informes; a coisa ficou tão séria que o Congresso teve de pressionar. Foi uma luta para conseguir que se investigasse alguma coisa. É o maior ato criminoso jamais cometido nos EUA, e a Casa Branca tentou não investigá-lo.

A cena do crime foi desmontada, na prática, imediatamente; para muitos, foi crime ter adulterado a cena daquele crime. Disseram que procuravam cadáveres e que, por esse motivo, removeram todo o metal encontrado. Hoje, cientistas mostram-se muito interessados em saber que tipo de resíduos havia naquele aço, para confirmar se os prédios foram explodidos de dentro para fora, ou de fora para dentro. A maior parte do metal retirado da cena do crime foi embarcado rapidamente em navios para fora dos EUA. Por essas e outras, pode-se dizer que, sim, o 11/9 foi um evento profundo, e houve uma comissão de investigação.

Há dois grandes eventos profundos na história recente dos EUA: primeiro, o assassinato de Kennedy em 1963; depois, o 11/9; há outros, e alguns deles são, de fato, bem pequenos: profundos e pequenos. Você sabe que acho que passei por alguns eventos profundos na minha vida pessoal. Narro um deles em The American War Machine. Mas os eventos profundos que tiveram consequências sobre a Constituição foram: o assassinato de Kennedy – com consequências quase invisíveis, mas nem por isso menos reais, que mudaram completamente o papel da CIA e o relacionamento da Agência com o FBI e com a polícia local.

Muito mais importantes foram as mudanças introduzidas depois do 11/9. Considerem o movimento que Edward Snowden documentou tão completamente: a vigilância sem mandado judicial. Essa, dentre as três grandes mudanças, é talvez a menos importante, mas é a única sobre a qual todos estamos falando, nesse país.

Nos dois casos, criaram-se comissões para investigar, e aquelas comissões nos apareceram com fatos que, como já está provado, eram falsos. Aí está o verdadeiro teste para diagnosticar se se está diante de um verdadeiro grande evento profundo: quando há investigações, e no final nos vêm com uma história tão cheia de buracos, que todos logo percebem que não passa de um monte de mentiras. Então, por definição, evento profundo é aquele sobre o qual a verdade jamais é apresentada à opinião pública; os maiores deles são aqueles em que aparece alguma ‘versão’ que pode ser verdadeira em alguns aspectos, mas que é rigorosamente falsa nos aspectos chaves.

 
John Kennedy

LS: No seu trabalho, dentre outras coisas, você está à procura do padrão que se teria repetido no 11/9 e no assassinato de JFK. Para começar: quando foi que você encontrou esse padrão e o que o levou a ele?

PDS: Logo depois do 11/9 chamou-me a atenção o fato de que eles já sabiam, quase imediatamente, quem fizera tudo. No livro de Richard Clarke (que estava em posição de saber), ele diz que o FBI tinha uma lista dos sequestradores dos aviões já antes das 10h daquele dia (antes, portanto, também, de o último avião cair). Quem conheça qualquer coisa sobre o assassinato de Kennedy sabe que uma das coisas jamais explicadas é como conseguiram divulgar, na fita distribuída pela polícia, uma descrição do assassino, do homem que atirou contra Kennedy, aparentemente de uma janela. E a descrição era bastante precisa: 1,70m [orig. 5 feet ten inches], 74,80kg [orig. 165 pounds]. Ninguém jamais disse de onde saíra tal descrição. Adiante, foi atribuída a um homem, Howard Brennan, que estava na rua e disse ter visto o atirador; mas só viu o topo da cabeça do homem, pela janela; como poderia saber que media 1,70m e pesava 74,8 kg?

 
Lee Harvey Oswald

O que interessa é que essa é precisamente a descrição de Lee Harvey Oswald na ficha do FBI e na ficha da CIA, apesar de estar errada. 15 minutos depois do assassinato, a rádio interna da Polícia já divulgava uma descrição do assassino, copiada dos arquivos do FBI e da CIA; e o  FBI  nunca conseguiu explicar, ninguém, do lado do governo, jamais conseguiu explicar como aconteceu tudo isso.

Vale o mesmo também para o 11/9. Também nesse caso logo apareceu internamente uma lista de sequestradores, e dois nomes que lá estavam foram rapidamente excluídos, porque um [Adnan Bukhari] havia morrido, e o outro [Ameer Bukhari] comprovadamente não estava em avião algum. Acho que essa também foi uma lista copiada de arquivos. E essa é só a primeira semelhança entre esses dois eventos profundos. Em meu livro The War Conspiracy listo mais de uma dúzia de semelhanças e, desde então, continuo a acrescentar outras semelhanças, no modus operandi.

Outra coisa é que essas pessoas sempre deixam rastros “em papel”: Oswald mantinha um diário e fez quantidade enorme de coisas que, adiante, foram usadas para incriminá-lo (quando, claro, já estava morto); e, no Aeroporto Logan, Mohamed Atta e seus amigos deixaram um carro cheio de provas. Sempre muito conveniente para o FBI que os perpetradores – ou os que chamo de “culpados por designação”, porque evidentemente já estava resolvido, desde antes, quem levaria a culpa pelo crime – todos eles, tenham fornecido provas documentais contra eles mesmos. E há muito mais. Não sei se basta para você, agora.

LS: Gostaria de perguntar-lhe sobre canais de comunicação específicos envolvidos nos dois casos, no assassinato de JFK e no 11/9. Por que essa talvez seja a semelhança mais importante?

PDS: É verdade, sim, que acho que a rede nacional de comunicações – nomes diferentes ao longo dos anos, mas é a rede especial de comunicações que foi montada em conexão com os planos para Continuidade do Governo, e a coisa começa nos anos 1950s, mudando sempre de nome. Essa semelhança só a encontrei mais tarde. Durante muitos anos eu soube que a Agência de Comunicação da Casa Branca [orig. White House Communications Agency (WHCA)] foi fator importante no assassinato de Kennedy, porque trabalharam junto com a investigação feita pela Warren Commission, distribuíram as transcrições e liberaram algumas mensagens do Serviço Secreto, mas sabe-se que havia dois canais da Polícia, ambos divulgados, mas também havia um terceiro canal, que estava sendo usado no Daily Plaza, e o Serviço Secreto estava usando o canal do que se conhece como Agência de Comunicação da Casa Branca.

Eu soube, durante anos, que tínhamos de explicar isso, mas não conseguíamos. Em 1993, quando organizaram um Corpo para Revisão dos Registros do Assassinato [orig. Assassination Records Review Board], fui até lá e disse que eles tinham de obter aqueles registros, mas não foram divulgados. Mesmo assim, a Agência de Comunicação da Casa Branca vangloria-se, no seu website – suponho que ainda se possa ler lá – de ter ajudado a resolver o caso do assassinato de Kennedy. Acho muito estranho, porque há muitos registros que nunca foram entregues à Comissão Warren, supostamente encarregada de resolver o mesmo caso.

E então, quando os registros começaram a aparecer sobre o 11/9 – demorou alguns anos, tivemos o relatório da comissão do 11/9 e lá se via que há algumas comunicações, telefonemas, que foram feitos e recebidos, mas sem qualquer registro. Em meu livro The Road to 11/9, escrevi que as provas sugerem que estivem usando… que já estivessem implementando os procedimentos para Continuidade do Governo (COG). Significa que, se isso se confirmar, eles implementaram [e já estavam usando] a rede especial de comunicaçõesCOG, a qual, com troca de nomes, é herdeira da rede de emergência; e que a Agência de Comunicações da Casa Branca era, como continua a ser até hoje, parte daquela rede de emergência.

Por causa disso, pude confirmar que o caso Irã-Contras foi mais um evento profundo, porque se descobriu que Oliver North, em 1985-86, enviava armas para o Irã, o que é ilegal, e muita gente no governo nada sabia sobre a “prática”. Não sabiam, porque Oliver North era o encarregado daquela mesma rede de emergência e usou aquela rede de emergência para comunicar-se com a Embaixada em Portugal, por exemplo, para facilitar o processo de levar as armas ao Irã. Isso, para mim, é mais um denominador comum.

 
Oliver North

Watergate foi outro evento profundo. Até hoje ainda não se sabe por que fora instalada uma escuta no telefone do Comitê Nacional do Partido Democrata, mas sabemos que James McCord, encarregado da equipe que instalou a escuta, era membro da rede Especial da Reserva da Força Aérea conectada aos procedimentos para Continuidade do Governo. E que estava encarregado dos diferentes passos para o mesmo tipo de ação: quem vigiar, as prisões sem ordem judicial. Todas essas ações já estavam organizadas e operantes na época de Watergate.

Esses, portanto, são os denominadores comuns que mais me chamam a atenção nesses quatro eventos profundos – JFK, Watergate, Irã-Contra e, finalmente, o 11/9. E se algum dia voltarmos a ter evento profundo desse tipo, posso prever agora, com base no que já se sabe sobre o desempenho passado, que a rede de emergência, essa rede à qual as pessoas comuns que trabalham no governo não têm acesso, novamente será fator decisivo.

LS: O Serviço Secreto foi ativo nos dois eventos principais?

PDS: São eventos principais precisamente por causa do que dissemos: porque usaram a Agência de Comunicação da Casa Branca para suas comunicações. Já se escreverem muitos, muitos livros sobre o Serviço Secreto e o assassinato de JFK – alguns muito exagerados, e houve quem envolvesse o Serviço Secreto naqueles eventos. Acho que, nisso, muita gente fez mal o próprio trabalho; ou não fizeram o que deveriam ter feito, não investigaram quem deveriam ter investigado. Não implica dizer que sejam culpados, e não estou subscrevendo aquelas teorias. Menos óbvio no caso de 11/9, o Serviço Secreto. Mas, o que é interessante, eles tiveram um papel ali, porque, num certo ponto – há um avião especial para a Continuidade do Governo, chamado E4B, conhecido como o “Avião do Juízo Final” [orig.Doomsday Plane], e chamam o planejamento para a Continuidade do Governo de “Programa do Juízo Final” [orig. Doomsday Program], e esse avião sobrevoou a Casa Branca.

Nenhum avião pode sobrevoar a Casa Branca, em nenhum caso. Mas precisamente naquele dia, quando tudo deu errado, o E4B – deve ser o avião especial para a Autoridade Nacional em Comando, que são o presidente e o secretário de Defesa. Mas, evidentemente, nem um nem outro estavam naquele avião: o presidente estava na Florida, e o secretário de Defesa estava no Pentágono, segundo seu próprio relato, ajudando a pôr gente em macas – o que parece serviço bem esquisito para o secretário de Defesa, no momento em que a nação estava sendo atacada.

 
Dick Cheney

Mas o avião lá esteve, e o Serviço Secreto reagiu, fazendo evacuar o prédio. Há narração muito vívida de como praticamente tiveram de puxar o vice-presidente Cheney da cadeira onde estava e empurrá-lo para fora e é claro que lhe disseram que o país estava sendo atacado e que o mais lógico, o mais sensível, para ele, seria sair o mais depressa possível para o que se conhece como PEOC (Presidential Emergency Operations Center, o bunker de emergência que há no subterrâneo da Casa Branca, para quando a nação seja atacada. Mas o mais interessante é que Cheney não foi diretamente para o PEOC; passou vários, vários, muitos minutos no túnel, usando um telefone que havia ali. E o que poderia ser aquele telefone? Aposto bom dinheiro que era telefone conectado à rede de emergência, e acho que ali, por aquele telefone, tomaram-se várias decisões chaves; ali, não na presença dos principais conselheiros que já estavam no PEOC.

Quero dizer pois que o Serviço Secreto estava envolvido, no sentido de que sua missão era levar Cheney e permanecer com ele naquele corredor – por cerca de 20 minutos – enquanto Cheney fazia várias ligações e falava com ambos, o presidente e o secretário de Defesa.

LS: Sobre o “Programa Continuidade do Governo”: por que é tão importante saber mais sobre ele? E continua ativado, até hoje?

PDS: Comecemos pela segunda parte da pergunta. Sim, tanto quanto se sabe, continua ativado. Não é fácil falar sobre isso, porque ninguém jamais pronunciou uma única palavra sobre o que são esses procedimentos especiais. Só se sabe o que foi revelado nos anos 1980s. Mas fato é que tudo de que se falou nos anos 1980s é o que se vê implementado desde então: vigilância total sem autorização judicial, está aí, para quem queira ver; detenção por tempo ilimitado e sem acusação formal, está aí, para todos verem; os militares envolvidos permanentemente nas funções tradicionais de polícia. Há uma brigada do exército em permanente estado de prontidão, para enfrentar quaisquer casos de perturbação social interna.

LS: E por que é importante saber mais sobre isso tudo? Por exemplo, significa que a Constituição dos EUA, de que os norte-americanos tanto se orgulham, está suspensa, sem efeito?

PDS: Não está suspensa completamente, mas em larga medida foi suplantada. As três coisas de que falei, todas, especialmente as duas primeiras. Quero dizer que todos sabemos que o habeas corpus é muito claramente mencionado na Constituição. Não que seja exatamente garantido pela Constituição, mas é assumido como direito garantido na Constituição, porque tem longa história que vai até a Carta Magna no século XIII. É um dos mais antigos direitos fundacionais das liberdades da common law. E foi gravemente ab-rogado, não suspenso. Se quiserem deter alguém, deterão, como têm detido. E não só estrangeiros: também cidadãos norte-americanos.

Assim portanto, sim, o status constitucional foi gravemente erodido, e mais e mais pessoas começam a falar sobre isso. Finalmente começamos a ver debate sério sobre a vigilância ilegal, que é inconstitucional, e o presidente disse que tomaria providências, mas ainda não se viu, até agora, providência alguma, além de muito se dedicarem a processar Snowden, que prestou relevante serviço público. Como se não bastasse, acusaram também o homem que criou o programa de encriptação que possibilitou que Snowden partilhasse os documentos com Greenwald. E tanto perseguiram esse homem, que ele foi forçado a fechar sua empresa. Estão impondo a todos, com requintes de crueldade, esse sistema de segredos – governo que governa por segredos, como se houvesse uma segunda carapaça que fecha o governo sobre ele mesmo e mina qualquer tentativa de abertura e transparência.

LS: Quanto ao 11/9, você diz que, de certo, só sabe uma coisa: que com certeza houve encobrimento massivo. O que foi encoberto e por quê?

PDS: Até hoje não há explicação satisfatória de por que os aviões caíram. O mais provável é que tenham sido interceptados em voo. Com certeza, ao tempo do 3º e do 4º aviões, eles têm de ter sido interceptados. Há uma explicação elaboradíssima da comissão que investigou o 11/9, mas muitas coisas permanecem sem explicação. O comportamento do vice-presidente, que era figura chave. Houve um telefonema que implementou o programa Continuidade do Governo; aí está o centro de tudo que aconteceu aqui. Não há nenhum vestígio desse telefonema. Não porque jamais teria havido traço algum, porque é claro que o telefonema não foi feito de telefone particular, ou coisa assim; não há vestígio desse telefonema porque ele foi com certeza feito por canais internos, tenho certeza de que foi feito por uma linha do programa Continuidade do Governo. E é direito nosso saber exatamente o que aconteceu e o que foi feito.

Tudo isso, além do mais, tem consequências legais reais, porque uma das coisas que ainda terão de ser explicadas é por que o vice-presidente tomou decisões que, por lei, não podia tomar. Temos uma Autoridade Nacional em Comando que governa os militares: são o presidente e o secretário de Defesa. Tanto quanto se sabe – e faltam muitas informações, o que permite supor que estejam sendo ocultadas – as decisões reais foram tomadas pelo vice-presidente que não é parte da Autoridade Nacional em Comando.

Tudo isso teria de ser investigado, porque é muito possível que se tenham cometido vários crimes, na reação ao 11/9. Aqui não falo do próprio dia 11/9, que não discuto em meu livro, porque já foi discutido em muito livros. Mas na resposta ao 11/9 com certeza fizeram-se coisas que não foram feitas como a lei determina que sejam feitas. Como foram feitas, é o que hoje se encobre, porque não há registros de coisa alguma.

LS: Teria sido possível evitar que o 11/9 acontecesse? Quero dizer, é pergunta crucial para tudo quanto tenha a ver com a Agência de Segurança Nacional (NSA). A NSA ignorava completamente os planos para atacar os EUA?

 
Curt Weldon

PDS: Sabe-se tão pouco dessa Agência de Segurança Nacional dos EUA, que é difícil, para mim, responder sua pergunta. Há alegações, é claro, de que esse tenente Shaffer apresentou-se e disse que a Agência de Inteligência da Defesa (DIA) tem, de fato, arquivos completos sobre Mohamed Atta e outros (…) Mas o Pentágono negou e depois o deputado Republicano Curt Weldon levou a coisa ao Congresso e queria mesmo ir ao fundo de tudo e, na sequência, o FBI  tratou-o de forma horrorosa. O FBI vazou a “ideia” de que Weldon estaria sob investigação por causa de algo que envolveria a filha dele, e todos os jornais encheram-se daquele assunto. Weldon não chegou a ser acusado formalmente, mas não foi reeleito, quer dizer, o FBI conseguiu tirá-lo do Congresso.

Foi portanto um sinal, e falo disso no meu livro, de que é muito perigoso, para políticos eleitos, desafiarem essa parte do governo dos EUA que chamo de “estado profundo”, porque inevitavelmente, se se atrevem a desafiar o estado profundo, acabam derrotados nas urnas, quando se candidatam à reeleição. Escrevi isso antes do caso Curt Weldon, mas o caso foi muito importante.

Falemos sobre a CIA. A CIA com certeza absoluta sabia sobre os dois sequestradores, que eles estavam naquela ação – costumo dizer “ditos sequestradores” porque, não sei com certeza, até hoje − que papel tiveram no 11/9, mas acho provável que eles tenham embarcado nos aviões, embora absolutamente não consiga acreditar que seriam capazes de dirigir os aviões para atacar os prédios. Essa foi ação de alguma outra força agindo do lado de fora dos aviões, uma tecnologia simples e fácil de operar no século XXI. Mas se aqueles dois sequestradores… A CIA teria de ter informado o FBI sobre eles, mas não informou. E eles puderam movimentar-se à vontade, fazer contato com outros sequestradores. Se os procedimentos tivessem sido respeitados, a CIA teria notificado o FBI, o FBI os poria sob vigilância e, a partir daqueles dois, seria possível conhecer virtualmente todos os sequestradores. Portanto, o fato de a CIA não ter encaminhado a informação que tinha sobre eles é uma das causas de as coisas terem acontecido como aconteceram dia 11/9.

É só uma parte do grande quadro, mas é parte significativa; e houve falhas de comunicação semelhantes a essa também no caso do assassinato de John F. Kennedy. Aí está mais uma das muitas semelhanças – que a CIA enviou um telegrama ao FBI … Não foi telegrama, foi uma mensagem: enviaram uma mensagem ao FBI sobre Lee Harvey Oswald, mas suprimiram a informação sobre o que os teria levado a pôr Lee Harvey Oswald sob vigilância total. E se ele não estivesse sob vigilância, não teria tido o papel que acabou por ter, quando foi “designado” culpado pelo assassinato de Kennedy. Nesse sentido é que me parece muito, muito significativo que a CIA tenha ocultado essa informação.

Não estou dizendo que eu saiba quem fez acontecer o 11/9 e, diferente de muitos, não estou dizendo que a Casa Branca fez acontecer o 11/9. Não. Acho que alguém no estado profundo fez acontecer o 11/9. Mas, veja bem, pela minha concepção, há muitos elementos, nesse estado profundo, que não participam sequer do governo. Por isso, dizer que uma ou outra coisa foi obra do estado profundo não informa muito sobre coisa alguma. Mas temos de saber mais e há registros escondidos que têm de ser expostos, porque nos ajudarão a compreender o que houve.

LS: Mas digamos que, se houvesse elementos do governo envolvidos no 11/9… O que se diz é que, se houvesse, alguém já teria falado. Ninguém consegue guardar segredos em Washington. O que você pensa sobre isso?

PDS: Bem… Há até um livro sobre o assassinato de Kennedy, que leva o título de “Alguém já teria falado” [orig. Someone would have talked]. De fato, dizem isso desde o início, depois do assassinato de Kennedy, e a resposta do livro é que ninguém deu ouvidos aos que, sim, falaram.

Acontece o mesmo sobre o 11/9. Ontem mesmo estava conversando sobre o 11/9, e lá havia alguém disposto a jurar sobre a Bíblia, que o último avião, o voo 93, foi provavelmente atingido sobre Shanksville, parte do avião caiu ali, mas o avião continuou porque… o sujeito tem um amigo que falou com um grande amigo de alguém que tem um outro grande amigo que viu o míssil atingir o voo 93 sobre Camp David, onde o presidente poderia estar, escondido nas montanhas. Nada disso apareceu nos jornais, não porque o homem não tenha falado, mas porque ele falou; imediatamente depois recebeu uma visita do FBI e o FBI disse ao homem que nunca mais voltasse a falar sobre o tal assunto.

Na verdade, apareceu na mídia. Há – acabo de rever – uma matéria de TV daquele momento. E o FBI diz que um avião foi abatido sobre Camp David e que receberam a informação da Administração Federal de Aviação (FAA). Estava tudo na televisão, mas foi tirado da televisão, e a nação esqueceu aquilo, ou quase toda a nação esqueceu o que vira e ouvira. O voo do E4B sobre a Casa Branca – também foi notícia da CNN, na televisão. É parte muito importante da história. Mas, na sequência, a coisa é apagada. Por sorte, algumas pessoas gravaram e repuseram a informação no YouTube (vídeo a seguir).  https://youtu.be/4upVtXLJ3Ps

A Força Aérea negou que tenha acontecido, mas não há dúvidas de que aconteceu, é claramente o E4B. Depois, outras pessoas apareceram com algumas explicações.

É sabido que a informação é sempre controlada em qualquer sociedade, e se alguém diz algo que não se enquadra na história oficial… Somos sociedade bastante aberta, nos EUA. De fato, as pessoas dizem, sim, o que veem e sabem. Mas as autoridades e a imprensa-empresa comercial absolutamente não lhes dão ouvidos.

LS: Ainda sobre essa questão, se alguém tivesse falado sobre o 11/9, e que pode ter acontecido coisa muito diferente do que foi informado às pessoas e o caso de Sibel Edmonds. Você pode falar um pouco sobre ela?

PDS: Sibel Edmonds era tradutora e trabalhava para o FBI, e viu coisas. Suas línguas eram, se bem me lembro, turco e farsi, e ela viu que o FBI estava investigando gente e, porque os agentes não falavam farsi, precisavam que ela traduzisse as comunicações que tinham. E o que ela viu era tão alarmante, que ela tentou levar a coisa ao conhecimento dos chefes dela.

Faz muito tempo que estudei o caso dela, mas, basicamente, lhe disseram que calasse a boca. Depois e até hoje, ela está sob ordem judicial e proibida de falar. Então, não contou tudo o que sabe, fala sobre outras coisas, mas, sim, deu fortes indicações de que gente muito “graúda” dentro do governo esteve envolvida em atividades pouco recomendáveis com outros governos e ela citou aqueles governos, entre os quais o governo da Turquia. Sibel é só um exemplo, e não é o único caso, de cidadão proibido de declarar a verdade, nessa sociedade livre em que vivemos.

LS: A versão oficial do 11/9 está baseada em grande parte no que prisioneiros disseram sob tortura. A história fica toda comprometida, por causa disso? E essa informação continua a ser ocultada de muitas e muitas pessoas, até hoje?

PDS: O relatório da Comissão do 11/9 é apenas uma pequena parte da investigação, mas a parte em que se fala sobre o que a Al-Qaeda teria feito, como teriam planejado e tal e tal, sim, todas essas informações foram obtidas de prisioneiros sob tortura. Algumas dessas testemunhas já não permanecem presas e retiraram aquelas declarações. Abu Zubaydah, por exemplo, “confessou” que seria membro da Al-Qaeda, o que jamais foi, em tempo algum. Tudo, aí, me parece mal conduzido e desencaminhado. Minha opinião é que aqueles depoimentos devem ser descartados para sempre.

Isso não invalida todo o relatório da Comissão do 11/9, mas alguns capítulos, os que falam sobre o que a Al-Qaeda teria feito, sim, esses capítulos não merecem nenhuma confiança e não podem ser tomados em consideração. Na verdade, a Comissão do 11/9 pediu para ver as transcrições, mas jamais as recebeu; basta isso, para que tudo se torne muito suspeito. A Comissão não foi jamais informada de que as testemunhas estavam depondo sob tortura. A partir disso, acho que ambos os co-presidentes daquela comissão, Thomas Kean e Lee Hamilton, reclamaram que teriam sido realmente enganados pela CIA.

Por essas e outras, a versão oficial que se lê no relatório da Comissão do 11/9 está em farrapos. Foi desqualificada até pelos co-presidentes da própria comissão. Seja como for, o importante é que, em primeiro lugar, nunca poderia ter acontecido de autoridades dos EUA usarem tortura para extrair depoimentos de prisioneiros. Em segundo lugar, o fato não poderia ter sido escondido das autoridades. Se torturaram, teriam de dizer que torturaram e que aquelas informações foram extraídas sob tortura; mas mentiram sobre isso, quero dizer, mentir é o terceiro crime. E em todos os casos e seja como for, tudo isso é uma desgraça.

LS: Você acha que a hegemonia dos EUA declinou por causa da ação que se seguiu ao 11/9? Por exemplo: tudo sugere que os verdadeiros beneficiários da Guerra ao Terror são, mesmo, China e Rússia.

PDS: Bem, vejamos tudo isso, passo a passo. Uma das principais consequências do 11/9 foi os EUA invadirem o Iraque. E acho que ninguém, no mundo, discordará se dissermos que o poder dos EUA principalmente no Oriente Médio começou a ser erodido por causa daquela ação de invadir o Iraque. O primeiro resultado não desejado surgiu logo em seguida, nas eleições: se querem democracia no Iraque, e no Iraque a maioria é xiita, a maioria elegerá governo xiita. E os xiitas são muito mais amigos do Irã, que dos EUA. Muita gente previu que aconteceria exatamente o que aconteceu. Não se trata de engenharia espacial; é o óbvio.

Aquela invasão também fez aumentar as tensões entre EUA e Arábia Saudita. A Arábia Saudita historicamente — se é bom ou mau que assim seja é outra questão a debater –sempre foi o mais forte aliado dos EUA naquela região. E hoje há grandes diferenças, porque a Arábia Saudita adorou ver o fim de Saddam Hussein, mas não queria invasão; porque sabia que a invasão desestabilizaria o Iraque e criaria um estado… não gosto de dizer “estado falhado”, não gosto dessa expressão… mas criaria uma autoridade muito enfraquecida no Iraque, o que é muito perigoso para a Arábia Saudita. Os sauditas têm todos os motivos para estar muito desgostosos com o que os EUA fizeram no Iraque; a invasão enfraqueceu as relações dos EUA com os sauditas.

 
Zbigniew Brzezinski 

Agora, aí está todo o Oriente Médio – o que Zbigniew Brzezinski chamou de Arco das Crises, em 1978 ou 79; e hoje é muito mais Arco das Crises do que era naquele momento, por causa… Você sabe que, para mim, a invasão contra o Afeganistão também foi erro grave, mas ainda me parece mais defensável que a invasão contra o Iraque, mas esses dois erros expandiram-se enormemente e, isso, ainda sem falar sobre a Al-Qaeda. E surgiram novas forças al-Qaedistas, gente em tudo assemelhada à Al-Qaeda, e há hoje muitos grupos que têm realmente base no Iraque, hoje, como resultado da invasão dos EUA contra o Iraque. E a coisa está-se expandindo também para a África. Por tudo isso, não sei se os maiores beneficiados são mais a Rússia e a China, que grupos de foras-da-lei e a anarquia.

Entendo que Rússia, China e os EUA todos têm interesses comuns em não promover terroristas e o terrorismo, e acho que a Rússia já disse muito claramente que gostaria de cooperar com os EUA para enfrentarem o terrorismo; até houve momentos em que parecia que Obama, pelo menos, tinha vontade de trabalhar mais em associação com a Rússia, especialmente no caso da Síria, por exemplo, onde elementos al-Qaedistas são hoje parte importante do problema, e para ambos, para a Rússia e para os EUA.

E então, de repente, os EUA inventamos a Ucrânia. De fato, até a Ucrânia se pode dizer que teve muito a ver com o que aconteceu depois do 11/9. Essas discussões podem exigir mais tempo do que temos aqui, mas a deterioração do entendimento entre Rússia e EUA – e o Afeganistão é parte disso – é questão muito complicada, e outras questões também são complicadíssimas, mas uma coisa é bem clara: o Iraque foi desastre completo e criou tensões de tal ordem que, se não aprendermos a lidar com essas tensões, nos aproximaremos cada vez mais perigosamente de uma guerra nuclear, mais rapidamente hoje, do que há 20 ou 30 anos. Essa, sim, é situação muito alarmante.

LS: Sobre a guerra do Iraque, você diria que o movimento pela paz em todo o mundo falhou depois do 11/9, porque muito protestaram, por exemplo, contra a guerra no Iraque, mas sem questionar as raízes do mal, a saber, a narrativa oficial sobre o 11/9, como pretexto e suposta justificativa para ir à guerra?

PDS: Com certeza teríamos movimento muito mais poderoso contra a guerra do Iraque, se já tivéssemos compreendido exatamente o que aconteceu no 11/9. Mas não acho que seja realista supor que poderíamos saber, naquele momento, o suficiente. Você sabe… os EUA invadiram o Iraque em 2003, e só em 2004 foi divulgado o relatório da Comissão do 11/9, que não é grande coisa, mas nem isso havia em 2003. Por isso, não me parece que poderia ter ajudado o movimento antiguerra em 2003, mas com certeza ajudará em movimentos futuros, do mesmo tipo.

 
John Kerry

Não sei o que acontecerá na Ucrânia, mas… Bem, a verdade é que, sim, acho que agora já sei. Acho que a Europa está intervindo para impedir que os EUA façam papel de perfeitos imbecis. Não posso acreditar que John Kerry tenha realmente dito algumas das coisas que, sim, ele disse recentemente. Penso, por exemplo, no que disse a Putin depois da Crimeia, que não se faz tal coisa no século XXI. Ora! Os EUA são o mais desavergonhado e visível exemplo de, exatamente, a mesma prática!

Portanto, penso que quem não está no governo tem de mobilizar-se em todo o mundo para criar uma opinião pública global que possa deter – não digo só os EUA, mas os EUA e todos os demais governos que se excedam, como os EUA excedem-se. Várias vezes aconteceu de os governos não se preocuparem com a opinião pública, o que sempre foi mau. E agora estamos começando a desenvolver uma opinião pública, que pode controlar os governos, o que é bom.

Acho que a opinião pública for fator determinante para persuadir empresas norte-americanas a não investir na África do Sul. E o movimento de desinvestimento, que foi ação da opinião pública, foi fator importante, e o próprio Nelson Mandela reconheceu-o como tal, como fato importante da libertação da África do Sul. Foi ação da opinião pública. No fim, quem pôs fim à segregação racial no sul dos EUA também foi a opinião pública. É uma ação positiva. Nada conseguiu no caso do Iraque, mas não se pode concluir que, porque não deu certo uma vez, o movimento não valeria a pena. Vale. Vale muito a pena.

LS: Você tem alguma esperança de que algum dia, no futuro, será possível dar resposta satisfatória à pergunta sobre o que, realmente, aconteceu no dia 11/9 nos EUA?

PDS: Se você está falando de o governo dos EUA dar resposta satisfatória a essa pergunta, o mais provável é que jamais dê. Mas as pessoas estão investigando. Muita gente dedicou a vida a investigar aqueles eventos. Não é o meu caso, mas há gente que fez exatamente isso. Acho que já há descobertas importantes. Já se sabe com certeza, por exemplo, que, sim, havia material explosivo no Prédio Sete e nas duas torres. Houve uma investigação conduzida pelo NIST – Instituto Nacional de Tecnologia e Padrões; recentemente, o mesmo NIST foi obrigado a revisar suas conclusões daquela época.

Você sabe, eles disseram que o Prédio Sete caiu em 5,3 segundos e os críticos responderam que parte desse tempo foi queda livre; e eles disseram simplesmente que a queda em 5,3 segundos não poderia ter sido queda livre. Pediram então definição mais clara sobre o que significavam aqueles números, e apareceu um gráfico no qual se viu que, de fato, durante dois ou três segundos, no meio da queda, o prédio desabou em queda livre. Ora, se o prédio desabou em queda livre, tem de ter havido algum tipo de explosão que “esvaziou” o caminho da queda da parte superior do prédio, até o chão: bem simples de entender.

Tudo isso para dizer que acho que fizemos progressos significativos; podemos falar seriamente sobre os eventos, para fazer o governo admitir a verdade dos fatos. Mas… Você sabe, já estamos em  2014 e ainda não apareceu ninguém para corrigir as conclusões da Comissão Warren, mas a maioria dos norte-americanos sabemos que a Comissão não chegou a nenhum tipo de resposta confiável. A própria opinião pública, os próprios cidadãos, penso eu, continuarão a investigar com seriedade.

LS: Mas vinda da comunidade internacional, há algum tipo de pressão para que os EUA promovam investigações claras e limpas? Você acha que haverá, algum dia?

 
Glenn Greenwald

PDS: Sou ex-diplomata e acho que governos não falam nesse tom, entre governos. Não sei, sequer, se seria bom que falassem. Governos têm de lidar com interesses sempre estreitos. Não é tarefa para governos, é tarefa para o povo, para alguma imprensa-empresa livre, onde houver, pressionar para que a verdade venha à tona. Por sorte, outros países também falam inglês, de tal modo que a imprensa britânica, por exemplo, pôde acolher e divulgar com muito mais precisão os feitos de Snowden e o material que entregou aos cuidados de Glenn Greenwald. De modo geral, acho que se os norte-americanos quiserem saber o que se passa no país, melhor que passem a ler o Guardian inglês – em inglês, e que pode ser lido online. Verdade é que só não sabe das coisas quem prefira não saber.

É o tipo de coisa que pode restaurar certo grau mínimo de sanidade, num mundo que… Devo dizer que os EUA são país maravilhoso, gosto muito de viver aqui. Problema, mesmo, é o governo dos EUA que, ultimamente, tem agido como doido. Invadir o Iraque foi loucura. Muitos especialistas disseram que nunca daria certo. Depois, o governo disse que Saddam Hussein teria armas de destruição em massa, mas as provas logo foram desmentidas, e tão completamente desmoralizadas que o governo sequer conseguiu usar a ideia-ameaça como planejara usar. Para devolver o governo dos EUA à sanidade, só muita pressão feita pela opinião pública.

LS: E como você avalia o fato de que ninguém foi punido pela produção e divulgação de todas aquelas mentiras sobre a guerra do Iraque?

PDS: Pode-se discutir muitos detalhes sobre isso. Em meu livro The American War Machinemostro como uma empresa privada foi paga para produzir informação de inteligência sobre se Sadam tinha ou não armas de destruição em massa, e aquela empresa concluiu que sim, que Sadam tinha armas de destruição em massa: a empresa chama-se Science Applications International Corporation,  SAIC. Depois, quando afinal já ninguém acreditava que houvesse lá as tais armas de destruição em massa, o problema passou a ser entender como, afinal, o governo fora convencido de que havia as tais armas. E qual foi a empresa selecionada para explicar o que havia sido tão espantosamente mal feito na “investigação” inicial de inteligência no Iraque? A mesma empresa Science Applications International Corporation , SAIC!

 
Science Applications International Corporation,  SAIC

Penso mais ou menos como o Bispo Tutu da África do Sul: acho que precisamos de verdade e de reconciliação; é mais importante hoje, do que mandar gente para a cadeia. Precisamos tão urgentemente de verdade que nem me incomodaria adiar a prisão dos bandidos, se isso ajudasse a encontrar a verdade. Porque, se os EUA conhecermos a verdade, será possível pensar, por exemplo, no fim do estado de emergência que ainda continua implantado aqui – renovado por Obama ano após ano (tem de ser renovado anualmente), sem qualquer discussão. Com informação verdadeira e bem provada, o Congresso poderia afinal fazer o que é sua missão – em vez de só pensar em estados de emergência, programas Continuidade do Governo, em tripudiar sobre a Constituição dos EUA. Quanto maior a quantidade de informação verdadeira sobre essas coisas, mais rapidamente os EUA voltarão a ser o que um dia foram, que nunca esteve sequer perto do ideal, mas sempre foi muito, muito melhor do que os EUA que há hoje.

LS: Os interesses de Wall Street estão implantados no fundo do coração do estado profundo?

PDS: Ah, sim, estão. Em meu livro… A noção inicial do estado profundo é que todas as instituições públicas estão sendo sobrepujadas pela Agência de Segurança Nacional, pela CIA, pelo Comando de Operações Especiais Conjuntas e pelo Pentágono – todas essas novas instituições secretas – e aí está o primeiro nível do estado profundo. Mas essas agências são poderosas porque têm conexões fora do governo; elas não reportam só ao Presidente – especialmente a CIA, e é fácil provar – mas também têm raízes em Wall Street, estrutura que foi projetada de fato por Allen Dulles, quando ainda era advogado em Wall Street, antes de passar a trabalhar na CIA.

E a CIA é tão poderosa por causa dessas conexões com Wall Street e – o que sempre foi praticamente a mesma coisa – por causa de suas conexões com o big oil, porque as gigantes do petróleo sempre tiveram sede em New York e, reunidas, operavam como cartel cujo advogado, sempre muito bem-sucedido, era o escritório Sullivan & Cromwell, escritório de advocacia em Wall Street, cujos principais sócios eram – não por acaso – John Foster Dulles e Allen Dulles.

 
John e Allen Foster Dulles

Wall Street, sim, é importante; já era, como é fácil mostrar historicamente, nos anos 1950s, e mostro no meu livro. Hoje é mais difícil provar, mas há muitas pistas. Uma das provas desse “envolvimento” é, hoje, o estado profundo o qual, é preciso reconhecer, vai-se tornando cada vez mais multinacional, ao mesmo ritmo em que as empresas se foram tornando multinacionais. A Exxon é empresa multinacional e há outras, especialmente a empresa Blackwater, que é essa espécie de exército privado que atua em vários locais. Não sei se foi a imprensa alemã… mas acho que, sim, li na imprensa alemã, que a mesma Blackwater ou uma sua subsidiária, está hoje operando na Ucrânia.

LS: É verdade. A imprensa alemã divulgou essa informação.

PDS: O que conhecemos como uma empresa norte-americana mantém hoje, tecnicamente, a própria sede no Qatar, no Golfo Persa. Não é mais controlável. Como as leis vigentes em Washington conseguirão controlar uma empresa cuja sede está localizada no Golfo Pérsico? Assim age o aparelho de um estado profundo supranacional, e teremos de desenvolver instituições supranacionais para controlar essas novas instituições, esses novos tipos de empreendimento, cujo “plano de negócio” inclui provocar agitação e tumultos, porque, nessas condições, os lucros delas aumentam: revoluções coloridas, por exemplo, são bom negócio para elas.

LS: Duas perguntas pessoais, que deixei para o fim. Como você lida com o fato de que, de tempos em tempos, você é desmentido pelo governo dos EUA e tratado, pelos jornais, como maníaco de teorias conspiracionais? E como você lida com a tristeza, o desencanto que, com certeza acompanha todos os seus livros e toda a sua obra. Quero dizer: leio o que você escreve e, sempre, depois da leitura, mergulho em depressão profunda. Queria saber… Acontece também com você, afinal, você é quem investiga, descobre e escreve aquelas coisas. Você é o homem que tem de enfrentar a verdade. Como você lida com ela?

PDS: Bem… Acabei por aprender a esperar cada vez menos, durante a minha existência. Sou… pode me chamar, sim, de teórico de teorias conspiracionais, porque, para mim, é como um título de honra. Não sei se você já percebeu, mas estou posto na mesma categoria do pessoal que pesquisa seres extraterrestres e abduções e coisa e tal. Para mim, é o meio que encontraram de não ter de argumentar sobre o que eu estou realmente investigando, descobrindo e publicando. Recebo a reação deles como uma espécie de homenagem ao contrário.

Não sei se compreendi bem a sua pergunta, mas se você perguntou como lido psicologicamente com o fato de não ser ouvido… Às vezes, na minha vida, foi muito difícil. De fato, lá por 1980, estava com um livro pronto para publicar, primeira edição de 250 mil cópias, já em impressão, sobre o assassinato de Kennedy. E meu editor cancelou a publicação; para mim foi horrível, caí numa espécie de depressão. Mas foi das melhores coisas que me aconteceram, porque daquela depressão comecei a escrever um poema-livro intitulado Coming to Jakarta – que lida com a depressão e lida com o terror e lida com questões que estavam realmente me atormentando. O outro livro, que não foi publicado, não tem, nem de longe, a mesma importância, para mim, que Coming to Jakarta, que resultou do cancelamento do outro livro. Recebi a coisa toda como um golpe de sorte.

Vivo hoje um segundo casamento bem-sucedido, e me sinto amparado por pessoas como você, Lars, na Alemanha, e conheço também alguém que vive atualmente em Moscou; e tenho meu tradutor francês (Maxime Chaix). Todos são pessoas maravilhosas, e é um grande privilégio conhecer e trabalhar com vocês. E, porque sempre acreditei que a tarefa da minha geração seria lançar as bases do que um dia será uma opinião pública global, uma sociedade civil global, e acho que já começou a acontecer, nunca mais me senti deprimido.

É tudo ainda muito frágil, porque depende da Internet e a Internet é “brinde” que, assim como nos foi dada pode nos ser tomada pelo poder, e bem facilmente, e várias vezes é. Minha página em Facebook foi cancelada, num certo momento, não sei por quê, talvez até acidentalmente, porque estavam tentando pegar outra pessoa. Quero dizer: é tudo muito frágil, mas está funcionando. Pode ser suprimida… mas, qualquer coisa pode ser suprimida.

Creio firmemente na bondade essencial dos seres humanos e também creio que sempre houve governos péssimos, desde o começo do mundo, o que nos fez regredir várias vezes… É verdade, sim, que fizemos alguns progressos em alguns pontos, mas fizemos o oposto de qualquer progresso em outros aspectos, porque, hoje, os riscos de a humanidade se autodestruir são maiores do que eram há cem anos. Nisso, não houve progresso algum. Em meus livros de poemas costumo escrever que sou rematado idiota por insistir em escrever sobre política. Muitas vezes sinto-me como rematado idiota. Mas gosto do que faço, gosto de conversar com você. E vou levando.

Nota de rodapé

[1] Dana PRIEST e William ARKIN: Top Secret America: The Rise of the New American Security State, Little Brown, New York, 2011, p. 52.

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[*] Peter Dale Scott (nascido em 11/1/1929) é um poeta canadense, ex-diplomata e ex-professor de Inglês na University of California, Berkeley. É ácido crítico da política externa americana desde a época da Guerra do Vietnã. Scott foi um dos signatários, em 1968, do “Writers and Editors War Tax Protest”, no qual os participantes juraram recusar o pagamento de impostos, em protesto contra a Guerra do Vietnã. Passou quatro anos (1957-1961) no serviço diplomático canadense. Aposentou-se do corpo docente da UC Berkeley, em 1994.

Scott tem escrito sobre o papel do “Estado Profundo” (em oposição ao “Estado Público”) dos EUA rejeitando o rótulo de “Teoria da conspiração”. Usou a expressão “Política Profunda” para descrever suas preocupações políticas. Seu interesse pela história contemporânea transbordou em suas obras de poesia, algumas das quais contém notas marginais para explicar aos leitores que documentos ou eventos de notícias do mundo real estão sendo mencionados. Seu livro, The Road to 9/11 (2007), trata de contexto geopolítico de eventos que levam a 11/09, e argumenta que “como a política externa dos EUA desde a década de 1960 levou a encobrimentos parciais ou totais das infrações penais nacionais anteriores, incluindo, talvez, a catástrofe de 9/11”. Seus livros The Road to 9/11 e American War Machineestão disponíveis em francês sob os títulos La Route le Nouveau Désordre Mondial e La Machine de Guerre Américaine. Seus livros foram traduzidos para o francês, alemão, italiano, espanhol, russo e indonésio. Seus artigos foram traduzidos para 16 idiomas, incluindo o turco, árabe, persa, chinês e japonês.

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[*] Lars Schall é um jornalista alemão independente, especializado em Finanças e está na sua pauta a dimensão financeira das atividades da Agência de Segurança Nacional dos EUA e seus cúmplices bem como as implicações dessa espionagem nas negociações internacionais e as habilidades técnicas e tecnológicas colocadas à disposição das agências de inteligência. Particularmente discute a nazi-fascistização dos EUA. 

Fonte: http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2014/11/estado-profundo-eventos-profundos-wall.html

Goldman Sachs – Otan S/A

por Manlio Dinucci | Traduzido por José Reinaldo Carvalho

Depois de ser secretário geral da Otan de 2009 a 2014 (sob comando estadunidense), Anders Fogh Rasmussen assumiu o posto de consultor internacional* da Goldman Sachs, o mais poderoso banco dos Estados Unidos.

Lloyd Blankfein, Chairman and CEO of Goldman Sachs Group, laughs during an interview after a meeting with other business leaders at the White House on February 5, 2013 in Washington. Obama met with business and labor leaders to discuss immigration reform.   AFP PHOTO/Brendan SMIALOWSKI        (Photo credit should read BRENDAN SMIALOWSKI/AFP/Getty Images)
O mais poderoso banqueiro privado do mundo, Lloyd Blankfein, presidente do Goldman Sachs, disse que “fazer o trabalho de Deus” (sic). Para punir os pecadores, ele recorreu aos serviços de Anders Fogh Rasmussen, ex-secretário-geral da NATO. (Photo credit should read BRENDAN SMIALOWSKI/AFP/Getty Images)

O currículo de Rasmussen é prestigioso. Como primeiro-ministro dinamarquês (2001-2009), empenhou-se pela “ampliação da União Europeia e da Otan contribuindo para a paz e a prosperidade na Europa”. Como secretário geral, representou a Otan no seu “pico operativo com seis operações em três continentes”, entre as quais a guerra no Afeganistão e na Líbia, e, “em resposta à agressão russa à Ucrânia, reforçou a defesa coletiva a um nível sem precedentes desde o fim da guerra fria”. Além disso, Rasmussen apoiou a “parceria transatlântica sobre comércio e investimentos (Ttip)” entre os Estados Unidos e a União Europeia, base econômica de “uma comunidade transatlântica integrada”.

Competências preciosas para a Goldman Sachs, cuja estratégia é ao mesmo tempo financeira, política e militar. Seus dirigentes e consultores, depois de anos de trabalho no grande banco, foram levados a postos chave nos governos dos Estados Unidos e outros países: entre estes Mário Draghi (governador do Banco da Itália, depois presidente do Banco Central Europeu) e Mário Monti, (nomeado chefe de governo pelo presidente Napolitano em 2011).

Portanto, não é de espantar que o Goldman Sachs tenha a mão na massa nas guerras conduzidas pela Otan. Por exemplo, na guerra contra a Líbia: primeiramente, apropriou-se (causando perdas de 98%) de fundos estatais de 1,3 bilhão e dólares, que Trípoli lhe tinha confiado em 2008; assim, participou em 2011 na grande rapina dos fundos soberanos líbios (estimados em cerca de 150 bilhões de dólares) que os Estados Unidos e a União Europeia “congelaram” no momento da guerra. E, para gerenciar através do controle do “Banco Central da Líbia” os novos fundos recebidos das exportações de petróleo, o Goldman Sachs se apresta a desembarcar na Líbia com a projetada operação EUA/Otan sob a bandeira da União Europeia e “condução italiana”.

Com base em uma lúcida “teoria do caos”, se desfruta a caótica situação provocada pela guerra contra a Líbia e a Síria, instrumentalizando e canalizando para a Itália e a Grécia (entre os países mais débeis da União Europeia) o trágico êxodo dos imigrantes decorrente de tais guerras. Isso serve como arma de guerra psicológica e pressão econômica para demonstrar a necessidade de uma “operação humanitária de paz”, visando na realidade à ocupação militar da zona estrategicamente e economicamente mais importantes da Líbia.

Como a Otan, o Goldman Sachs é funcional à estratégia de Washington que quer uma Europa submetida aos Estados Unidos. Depois de ter contribuído com o embuste das hipotecas subprime provocando a crise financeira, que dos Estados Unidos chegou à Europa, o Goldman Sachs especulou sobre a crise europeia, aconselhando “os investidores a tirar vantagem da crise financeira na Europa” (conforme o relatório reservado divulgado pelo Wall Street Journal em 2011).

E, segundo documentada pesquisa efetuada em 2010-2012 pelos veículos de mídia Der Spiegel, New York Times, BBC e Bloomberg News, o Goldman Sachs camuflou com complexas operações financeiras (“empréstimos ocultos” em condições leoninas e venda de “títulos tóxicos” estadunidenses), o verdadeiro crescimento da dívida grega. Nesse negócio, o Goldman Sachs manobrou mais habilmente do que a Alemanha, o Banco Central Europeu e o FMI, cuja faca no pescoço da Grécia é evidente.

Recrutando Rasmussen, com a rede internacional de relações políticas e militares por ele tecida durante os cinco anos em que esteve à frente da Otan, o Goldman Sachs fortalece a sua capacidade de influência e penetração.
*Ele criou em outubro de 2014 a sua empresa de consultoria, com o nome bonito de Rasmussen global [Nota de Tlaxcala]

Fonte: Tlaxcala – http://www.tlaxcala-int.org/article.asp?reference=15904

Agências de risco estão a serviço de especuladores e de interesses econômicos e políticos dos EUA

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“O que ocorre no Brasil e contra o Brasil é uma campanha de interesses econômicos estrangeiros, devido a vários fatores, entre outros, sua inserção no banco do BRICS, com a Rússia e a China, associada aos interesses políticos domésticos, de uma oposição sem ética, sem compostura, servindo aos interesses antinacionais

Moniz Bandeira sobre S&P’s: “ A serviço de especuladores, subordinada a interesses econômicos e políticos de Wall Street ‘’ 

O cientista político e historiador Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira advertiu hoje (10) para o papel das agências de risco (rating) na desestabilização econômica de países emergentes, destacando que elas atuam mais a “serviço de especuladores, subordinadas aos interesses econômicos e políticos de Washington e de Wall Street’’. Segundo ele, é preciso analisar o rebaixamento da nota de risco do Brasil pela agência Standard & Poor’s, dos Estados Unidos, dentro de um cenário em que há vários interesses em jogo, contra o Brasil e o próprio governo Dilma.

“O que ocorre no Brasil e contra o Brasil é uma campanha de interesses econômicos estrangeiros, devido a vários fatores, entre outros, sua inserção no banco do BRICS, com a Rússia e a China, associada aos interesses políticos domésticos, de uma oposição sem ética, sem compostura, servindo aos interesses antinacionais’’, disse, em entrevista concedida por e-mail ao PT na Câmara.

Como exemplo dos interesses que orientam agências como a S&P´s, citou o caso da reincorporação da Crimeia pela Rússia, seguindo-se o imediato rebaixamento da nota da Rússia. ‘Isto não significa que não haja no Brasil uma crise econômica, porém ela é muito mais agravada pela crise política e institucional, que abrange e envolve a Justiça e o Congresso’’, frisou Moniz Bandeira.

Ele também condenou os métodos da operação Lava-Jato, que, a seu ver, ajudam agências de risco a rebaixar a nota do Brasil. “Combater a corrupção é certo, mas o que estão a fazer é destruir a imagem do Brasil no exterior e contribuir para que outros interesses promovam a especulação econômica e as agências de risco aproveitem para rebaixar a nota do Brasil’’, afirmou.

Moniz Bandeira também defendeu o papel do ex-presidente Lula na abertura de espaço para a atuação de empresas brasileiras no exterior e condenou o instituto de delação premiada, que comparou a métodos da Gestapo, e criticou a forma com que é realizada a Operação Lava-Jato. “ A mim muito me admira como se permite que um juiz do Paraná e a Polícia Federal cometam tantos desmandos, ilegalidades, com prisões arbitrárias de grandes empresários, sem maior comprovação, a desmoralizar não apenas a Petrobras e as empresas estatais, mas também as grandes companhias nacionais, como a Odebrecht, as quais contribuem para a expansão do comércio do Brasil’’.

Leia a íntegra da entrevista:

P) A agência Standard & Poor´s rebaixou o grau de investimento do Brasil. O que o senhor poderia falar sobre isso?

R) O rebaixamento não pode surpreender. Já estava previsto. O que ocorre no Brasil e contra o Brasil é uma campanha de interesses econômicos estrangeiros, devido a vários fatores, entre outras coisas, sua inserção no banco do BRICS, com a Rússia e a China, associada aos interesses políticos domésticos, de uma oposição sem ética, sem compostura, servindo aos interesses antinacionais.

P) Essas agências de ”risco” estavam envolvidas, nos EUA, em escândalos que levaram à crise 2008 . A própria S&P´s foi condenada recentemente a pagar multa de US 1, 37 bilhão por seus envolvimentos com os escândalos de Wall Street em 2008. Tem moral para fazer avaliação de uma economia com a brasileira?

R – As agências de risco pertencem aos bancos de investimentos dos Estados Unidos e seus critérios são mais políticos que econômicos. Estão a serviço de especuladores, subordinadas aos interesses econômicos e políticos de Washington e de Wall Street. Tanto isto é certo que, quando houve a reincorporação da Crimeia pela Rússia, logo ocorreu o rebaixamento da nota da Rússia. Isto não significa que não haja no Brasil uma crise econômica, porém ela muito mais agravada pela crise política e institucional, que abrange e envolve a Justiça e o Congresso.

P)-Por trás dessas avaliações haveria uma espécie de pressão para o Brasil adotar uma agenda neoliberal, com abertura econômica ainda maior ao capital estrangeiro?

R) Não creio. É uma simplificação. É claro, o Brasil está dentro do sistema interno capitalista, cada vez mais e mais globalizado, e tem de tomar certas medidas ortodoxas, para o reajuste fiscal. Porém, o governo deve necessariamente de intervir no câmbio, que constitui forte fator de pressão inflacionária, ao encarecer as importações de matérias primas etc. Há enorme especulação do mercado, devido à apatia do governo, da inexistente reação ante os desfeitos dos especuladores e da oposição. E isso ajuda o enfraquecimento do governo. A questão, portanto, é mais complexa e não apenas econômica. É política, em que interesses estrangeiros se entrançam com interesses domésticos, na oposição. E o governo está na defensiva, o que é muito ruim. A defensiva pode resultar na derrota.

A mim muito me admira como se permite que um juiz do Paraná e a Polícia Federal cometam tantos desmandos, ilegalidades, com prisões arbitrárias de grandes empresários, sem maior comprovação, a desmoralizar não apenas a Petrobras e as empresas estatais, mas também as grandes companhias nacionais, como a Odebrecht, as quais contribuem para a expansão do comércio do Brasil. Os chefes de governo de todos os países sempre promoveram, no exterior, as empresas de seu país. Por que o presidente Lula não podia abrir caminho em outros países para as construtoras nacionais? Quem está por trás de tamanha campanha contra o Brasil? A delação premiada é algo que se assemelha a um método fascista. Isso faz lembrar a Gestapo ou os processos de Moscou, ao tempo de Stalin, com acusações fabricadas pela GPU (serviço secreto).

No Brasil, um juiz determina, a Polícia prende, ameaça processar o indivíduo se não delatar supostos crimes de outrem, e assim, impondo o terror e medo, obtém uma delação em troca de uma possível penalidade menor ou outra dádiva qualquer. Não entendo como se permite que a Polícia Federal atue de tal maneira, ao arbítrio de um Juiz, que nenhuma autoridade pode ter fora de sua jurisdição. A quem servem? Combater a corrupção é certo, mas o que estão a fazer é destruir a imagem do Brasil no exterior e contribuir para outros interesses promovam a especulação econômica e as agências de risco aproveitem para rebaixar a nota do Brasil.

E o Ministério da Justiça, por que deixar que a Polícia Federal pratique tantas prisões arbitrárias, ilegais, sem que os presos tenham culpa judicialmente comprovada? Sinceramente, não entendo essa tibieza. Aqui, na Alemanha, onde moro há 20 anos, não mais seria possível. Só no tempo de Hitler. Aristóteles ensinou que uma democracia extrema podia levar a uma a tirania mais absoluta do que a dos oligarcas. E é o que se vê, atualmente, no Brasil. A tirania exercida por um juiz, abalando a economia e o regime, com a colaboração da Polícia Federal, que reconhecidamente recebe recursos da CIA e da DEA, e da mídia corporativa, em busca de escândalos para atender aos seus interesses comerciais.

P) O capitalismo financeiro global depende de certas estruturas de dominação- do centro para a periferia. Essas agências de risco são instrumentos de dominação, já que o que decidem tem repercussão na mídia e em fundos de investimentos que as têm como referência?

R – Claro. O dólar, como única moeda de reserva internacional, guarnecido pela OTAN, é que mantém a hegemonia dos Estados Unidos, que querem continuar como o único centro de poder e é contra essa situação que a Rússia e a China (acompanhadas pelo Brasil, Índia e África do Sul) se rebelam e trataram de constituir um banco, como alternativa ao FMI, instalado em Xangai.

P) Os Brics podem ser uma alternativa a essa estrutura de dominação que tem como centro Washington?

R – A aguda crise política no Brasil, alimentada por certos interesses econômicos estrangeiros e políticos domésticos, que não querem a continuidade de um governo popular, tem de ser compreendida no cenário internacional, ao qual o povo brasileiro está alheio. A mídia no Brasil está voltada, como nunca, a produzir escândalos e não dá quase nenhum espaço para as notícias internacionais ou simplesmente reproduzem as agências estrangeiras da Europa e dos Estados Unidos, a refletir os interesses de seus respectivos governos.

P) O Brasil quebrou três vezes com FHC, as notas das agências de rating na época do governo tucano, inclusive as dadas pela S&P´s , eram bem mais baixas do que as dada hoje ao governo Dilma. Mesmo assim a mídia brasileira coloca o Brasil numa situação de país que estaria à beira de um abismo, embora tenha US$ 370 bilhões em reservas e seja hoje o 4º maior credor dos EUA. Como o senhor analisa esse quadro?

R – Como disse antes, a mídia mundial, na qual a brasileira, de um modo ou de outro está inserida, é corporativa e atende aos interesses econômicos e políticos, como um instrumento de operações psicológicas, indispensável a toda e qualquer guerra. Em meu livro A Segunda Guerra Fria, eu analiso como atualmente se processam os golpes de Estado, as chamadas “revoluções coloridas” ou “primavera árabe”, com demonstrações instrumentalizadas por ONGs, com agitadores adestrados na estratégia subversiva de Gene Sharp para promover a“cold war revolutionary”, com protestos, demonstrações, marchas, desfiles de automóveis etc., até derrubar o governo, como aconteceu na Ucrânia, no ano passado. O governo brasileiro devia investigar as atividades da USAID e da NED e determinar o registro de todas as ONGs, a origem de seus recursos e gastos.

Fonte: Viomundo

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Os bancos preparam a próxima crise global

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Como a aristocracia financeira recuperou poderes e regalias que levaram ao terremoto de 2008. Por que, ao poupar este setor, políticas como “ajuste fiscal” brasileiro abrem caminho para novo desastre

Por Susan George | Tradução: Gabriela Leite | Imagem: Sj JBankers, 2010

Sempre otimista, não acreditei que os bancos sairiam da crise de 2007 a 2008 mais fortes que antes, sobretudo em termos políticos. É verdade que alguns pagaram multas que os fizeram cambalear — um total de 178 bilhões de dólares para os bancos norte-americanos e europeus — mas consideram que tais desembolsos são “o preço de fazer negócios”. Nenhum líderes do setor que quebrou a economia mundial passou uma só noite na prisão, nem teve que pagar, pessoalmente, uma única multa.

Ainda não superamos os efeitos do terremoto financeiro vivido em 2007-2008, mas os políticos e os próprios banqueiros já estão preparando o cenário para a próxima crise. Estudos matemáticos mostraram a densa teia interconectada dos atores financeiros mundiais, na qual a falha de um deles poderia desencadear o colapso de todos. Nos colocaram no fio da navalha, e temos boas razões para ser pessimistas:

– Os governos e as instituições financeiras internacionais não demonstraram nenhuma intenção de regular os bancos, o que nos expõe ao perigo de ter que suportar uma repetição da jogada. Os bancos e os banqueiros não só são grandes demais para falir — ou para ser presos –, mas também para ser desafiados. Por isso, permitem-se fazer o que lhes dê vontade.

– A adoção de dispositivos de segurança no setor financeiro foi sistematicamente sabotada. Não se produziu a separação necessária entre os bancos comerciais e os bancos de investimento (o que impediria que o dinheiro dos depositantes continuasse a ser usado para especular). Durante mais de sessenta anos, a lei norte-americana Glass-Steagull, aprovada durante o New Deal do governo Roosevelt separou-os, protegendo o sistema financeiro norte-americano. Foi revogada, em 1998, sob o mandato do presidente Bill Clinton — com um grande empurrão de seu secretário do Tesouro, Robert Rubin, ex-executivo do banco Goldman Sachs. Foi necessário menos de uma década para produzir-se a quebra devastadora do Lehman Brothers e do mercado. Os políticos não atendem a razões, mas sim ao lobby bancário. Por isso, as exigências de reservas (capital) dos bancos continuam baixos demais. Não se aprovou nenhum novo imposto sobre as transações financeiras. Um imposto debatido por onze países da União Europeia ainda está em debate.

– Os volumes diários de transações com derivativos e moedas cresceram 25% ou 30% em comparação com os níveis de antes da crise, e somam trilhões a cada dia. As operações anuais totais com derivados somam em torno de cem vezes o Produto Mundial Bruto. O surgimento de transações automatizadas, impulsionadas por algorítimos, move este crescimento, mas até as máquinas e os nerds matemáticos podem cometer erros perigosos.

– Grandes quantidades de empréstimos convertidos em bônus de risco poderiam inundar uma vez mais as carteiras de investidores instutucionais. Desta vez não estariam associados às hipotecassubprime, mas a lotes de outras categorias de dívida, como os empréstimos a estudantes ou consumidores.

– Em 2008, a especulação desenfreada nos mercados de matérias primas causou uma dramática alta dos preços dos alimentos, acrescentando 150 milhões de pessoas às listas dos famintos mundiais. Estas cifras não se repetirão nem nesse ano, nem no próximo: os preços dos grãos despencaram e 150 trilhões de dólares procedentes de Wall Street foram retirados desses mercados nos últimos dois anos. Contudo, outras leis protetoras do New Deal também foram revogadas e os mercados poderão mais uma vez ser alvo de apostas sem limites, quando as mudanças climáticas e a falta de alimento fizerem com que sejam rentáveis.

– Os paraísos fiscais triunfaram. Eles não beneficiam apenas o 1% mais rico. Especializaram-se também na evasão fiscal corporativa. As maiores corporações deixaram de pagar os impostos que lhes correspondem. Por exemplo, as empresas francesas sonegam anualmente de 60 a 80 bilhões de dólares. As corporações beneficiam-se de serviços públicos como a polícia e os bombeiros, a energia, a água, o saneamento, o transporte, a saúde, a educação e a formação para seu pessoal, e o Estado de direito, mas não contribuem para mantê-los, de maneira que estes se deterioram. Quem perde são os cidadãos e cidadãs, e a rede de infraestrutura. O escândalo Luxleaks –  que desmascarou a evasão fiscal de mais de 300 empresas — demonstra que os Estados-membros da União Europeia fazem intencionalmente vistas grossas, com a cumplicidade das quatro grandes “agências de risco”, quando as empresas transferem contilmente seus lucros para Luxemburgo, onde quase não pagam impostos. Os paraísos fiscais das Ilhas Britânicas também contribuem para essa prática. Estima-se que 25% ou mais do faturamento dos maiores bancos da União Europeia está em “centros off-shore”; ninguém conhece ao certo esta cifra.

– Pesquisas realizadas pelo Banco Central Europeu sobre os 130 maiores bancos da União Europeia descobriram que estes não apoiam a economia real — onde as pessoas vivem, trabalham, produzem e consomem. As pequenas e médias empresas da União Europeia oferecem 80% ou 90% de todo o emprego disponível, mas continuam tendo muitos problemas para receber empréstimos. Desde 2008, os bancos endureceram suas condições de concessão de crédito. O Finance Watch – um think tank progressista de Bruxelas — afirma que só 28% de toda atividade bancária vai para a economia real; o que sobra infla o setor dos produtos financeiros que multiplicam o dinheiro sem passar por fases tão “incômodas” como a produção e a distribuição…

– É verdade que os Estados Unidos têm vivido crescimento econômico e criação de emprego, porém mais de 90% do valor de tal crescimento tem sido abocanhado pelo 1% mais rico. O desemprego europeu continua crescendo, e em vez de crescer, a União Europeia escorrega rumo à deflação.

– Já em 2011, os lucros dos bancos norte-americanos haviam chegado aos níveis recorde de antes da crise. E ainda antes, em 2009, os nove maiores bancos desse país distribuíam gratificações de um milhão de dólares ou mais, a mais de cinco mil banqueiros e operadores financeiros, usando para isso o dinheiro público dos empréstimo que receberam dos Estados. Ao menos 5 bilhões de dólares provenientes do dinheiro dos contribuintes norte-americanos foram para indivíduos da indústria financeira. Seus colegas britânicos receberam 20 bilhões de dólares por meio de gratificações em 2010 e 2011, e os banqueiros franceses receberam outro tanto.

– As robustas gratificações contribuem para o grande salto adiante da desigualdade. São conhecidas as comparações chocantes entre a parte da riqueza mundial que é apropriada pelos multimilionários e o que sobra para o resto do mundo. Estão sintetizadas num relatório da Oxfan ou nos informes sobre a riqueza mundial que falam sobre as alturas douradas, onde moram não o um por cento — pobres perdedores! — mas um em cada dez milhões.

– A lista de bilionários da Forbes, de 2014, enumera os 1542 terráqueos que ultrapassaram a marca, com um volume total de 6,5 bilhões de dólares. A desigualdade não é obscena em termos monetários. Em Desigualdade: uma análise da (in)felicidade coletiva, Richard Wilkinson e Kate Pickett demonstraram de maneira indiscutível que a desigualdade tem correlação necessária com todos os fenômenos sociais desagradáveis e custosos, de doenças à violência, à obesidade e as populações carcerárias. Mas as finanças estão organizadas agora de tal maneira que ao chegar ao status de bilionário, é muito  difícil perdê-lo.

Recompensas, recompensas

Os banqueiros aprenderam também como organizar as instituições internacionais para que estas os recompensem tanto nos momentos bons como nos maus, por investimentos financeiros geniais ou desastrosos. Desta maneira, governos da zona do euro como Alemanha e França trazem dinheiro ao Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira; este dá dinheiro ao governo grego (irlandês, espanhol…) que, por sua vez, o entrega aos bancos gregos (irlandeses, espanhois…) com a intenção de que estes devolvam os empréstimos recebidos dos bancos franceses e alemães.

A maioria das pessoas não se dá conta que os enormes “empréstimos” concedidos à Grécia pela “Troika” (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) entre 2010 e 2012 não se destinaram a “ajudar os gregos”, mas sim a canalizar dinheiro aos bancos que haviam comprado títulos gregos. E por que compraram? É uma boa pergunta: porque estes valiam em euros, mas pagavam juros mais altos, por exemplo, que os títulos alemães, igualmente denominados em euros.

O trabalho da Troika é, portanto, garantir que se devolva o dinheiro aos bancos, desde os planos de “regate” sejam associados a condições drásticas da austeridade. Os bancos podem perder algo em seus investimentos nos países do Sul da Europa ou da periferia — mas não no nível em que isso ocorreria sem a porta giratória da Troika.

Os povos — que não criaram a crise — devem, contudo, sofrer com ela. Até certo ponto, isso pode ser medido em fome crescente, fechamento de hospitais e escolas, violência e migração dos jovens. Mas as verdadeiras consequências para incontáveis seres humanos que não têm responsabilidade pelos problemas econõmicos não podem ser quantificadas. Sustento: minha afirmação de que os bancos aprenderam que podem fazer o que quiserem não era um recurso retórico…

E chegamos ao ponto em que o leitor diz: “sim, mas o que podemos fazer?” Em geral, as respostas são conhecidas, e muitas delas consistem em fazer o contrário do que se resumiu acima. Separar os bancos comerciais dos de investimento, cobrar imposto das instituições financeiras, proscrever os paraísos fiscais, obrigar Luxemburgo a desmantelar sua proteção às empresas sonegadoras, negar-se a assinar os novos acordos de “livre” comércio.

Mudar as regras do Banco Central Europeu (BCE), que não empresta aos países, mas apenas aos bancos privados. Estes pedem créditos ao BCE a menos de 1% de juros ao ano, para em seguida emprestar os mesmos recursos aos países com os maiores juros possíveis — às vezes mais de 6% — o que constitui outro presente à banca. O BCE deveria emprestar diretamente aos países, cobrando os mesmos 1% ou menos, e os governos europeus deveriam poder emitir títulos em euros.

As políticas de “austeridade” devem ser descartadas, porque não funcionam, nem humana nem economicamente. Os europeus do norte entendem isso: a palavra em alemão para dívida é Schuld, que significa também pecado ou culpa; mas a crise persistente não tem a ver com moralidade. Necessitamos de menos golpes no peito (o dos outros) e mais economia inteligente. Nas palavras de um economista alemão que escrevia no Financial Times: “Existem dois tipos de economistas alemães: os que não leram Keynes e os que não entenderam.”

É preciso lembrar primeiro que a dívida os países não se parece, em absoluto, com a de uma família. Na verdade, ao longo da história, a maior parte da dívida soberana era perdoada; em todo caso, como disse o economista e acadêmico norte-americano Paul Krugman: “é preciso vigiar os fluxos, não as ações.”

Enquanto os países continuarem obrigados ao pagamento de juros elevados, terão dúvidas eternas. As nações não desaparecem. A Grécia, por exemplo, tem um superávit orçamentário, quando levam-se em conta apenas a arrecadação de tributos e os investimentos e despesas não-financeiras. Deveria estar qualificada para pagar juros de 1% do ano. O país deveria também reduzir drasticamente seu orçamento militar, tributar a igreja — o maior proprietário de terrenos e imóveis — e como disse o partido governante Syriza, “perseguir a oligarquia”.

Se a próxima crise for de fato deflagrada, será imensa e mortalmente perigosa para as pessoas comuns, que poderiam perder sua poupança, seguros, aposentadorias e mais. Não estou propondo que se criem refúgios antiaéreos ao estilo de 1950, construam-se depósitos de alimentos e se autorize a posse de uma arma por casa — mas não faria mal começar a desenvolver sistemas sociais mais resistentes e uma autoconfiança maior. As pessoas trabalham bem quando cooperam entre si, e o fazem instintivamente ou  por necessidade quando têm que enfrentar um colapso econômico, como fizeram os argentinos há quinze anos ou fazem os gregos hoje. Organizam cantinas populares, hortas comunitárias, clínicas de saúde solidárias, creches, moedas sociais, soluções habitacionais e assim por diante.

Sobretudo, precisamos enfrentar a mortífera ideologia neoliberal que contaminou o pensamento e a ação, enquanto os bancos podem fazer o que lhes der na telha.

Fonte:  Outras Palavras

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Como o Goldman Sachs lucrou com a crise da dívida grega

europa goldman sachs

O banco de investimento ganhou milhões de dólares para ajudar a esconder a verdadeira dimensão da dívida – levando-a praticamente a dobrar de tamanho. Da mesma forma, cidades e estados americanos têm sido obrigados a cortar serviços essenciais por estarem presos a operações similares. Por Robert Reich, ex-Secretário do Trabalho dos EUA.

por Robert B. Reich*

A crise da dívida grega põe em evidência uma vez mais os poderes de persuasão e predação de Wall Street – uma peça que permanece invisível na maioria dos relatos sobre a crise do outro lado do mundo.

A crise foi agravada anos atrás por uma operação do Goldman Sachs, arquitetado pelo atual diretor-executivo do banco, Lloyd Blankfein. Juntamente com a sua equipa, Blankfein ajudou a Grécia a esconder a verdadeira dimensão da sua dívida e, no processo, fê-la praticamente dobrar de tamanho. Da mesma forma como ocorreu na crise do subprime americano, e que levou à atual situação crítica de muitas cidades americanas, um empréstimo predatório de Wall Street teve um papel importante na crise grega, embora pouco reconhecido.

Em 2001, a Grécia procurava maneiras de mascarar os seus crescentes problemas financeiros. O Tratado de Maastricht exigia que todos os membros da zona do euro mostrassem melhorias nas contas públicas, mas a Grécia ia na direção oposta. Então o Goldman Sachs veio em seu socorro, oferecendo um empréstimo secreto de 2,8 mil milhões de euros, disfarçado de swap cambial não contabilizado – uma operação complicada, em que a dívida da Grécia em moeda estrangeira foi convertida em obrigações em moeda local, utilizando uma taxa de câmbio fictícia.

Como resultado, cerca de 2% da dívida da Grécia magicamente desapareceram das suas contas nacionais. Christoforos Sardelis, então chefe da Agência de Gestão da Dívida Pública da Grécia, mais tarde descreveu o acordo na Bloomberg Business como “uma história muito sexy entre dois pecadores”. Pelos serviços, o Goldman recebeu a soma colossal de 600 milhões de euros (793 milhões de dólares), de acordo com Spyros Papanicolaou, que substituiu Sardelis em 2005. Isso representou quase 12% da receita da gigantesca unidade do Goldman de trading e principal-investments em 2001 – que, aliás, bateu recorde de vendas nesse ano. A unidade era dirigida por Blankfein.

“Até 2008, as normas contabilísticas da União Europeia permitiam que os membros gerissem as suas dívidas através das chamadas tarifas fora do mercado em trocas de moedas, estimuladas pelo Goldman e por outros bancos de Wall Street. No final da década de 1990, o JPMorgan permitiu que a Itália ocultasse a sua dívida trocando de moeda a uma taxa de câmbio favorável”

Então, o negócio azedou. Após os ataques de 11 de setembro, o rendimento dos títulos caiu, resultando em grande perda para a Grécia por causa da fórmula usada pelo Goldman para calcular o pagamento da dívida do país com o swap. Em 2005, a Grécia já devia quase o dobro do que constara no acordo, fazendo a dívida não declarada saltar de 2,8 mil milhões para 5,1 mil milhões de euros. Em 2005, o acordo foi reestruturado e a dívida fixada em 5,1 milhões. Talvez não por acaso, Mario Draghi, hoje presidente do Banco Central Europeu e um ator importante no atual drama grego, era então o diretor da divisão internacional do Goldman.

A Grécia não foi a única a pecar. Até 2008, as normas contabilísticas da União Europeia permitiam que os membros gerissem as suas dívidas através das chamadas tarifas fora do mercado em trocas de moedas, estimuladas pelo Goldman e por outros bancos de Wall Street. No final da década de 1990, o JPMorgan permitiu que a Itália ocultasse a sua dívida trocando de moeda a uma taxa de câmbio favorável, comprometendo assim a Itália a realizar pagamentos futuros que não apareciam nas contas nacionais como obrigações futuras.

Mas era a Grécia quem estava em pior situação, e o Goldman foi o maior facilitador. Sem dúvida, o país sofre por anos de corrupção e evasão fiscal da sua elite. Mas o Goldman não foi um espectador inocente: aumentou o seu lucro, especulando ao máximo com a Grécia, assim como boa parte do mercado global. Outros bancos de Wall Street fizeram o mesmo. Quando a bolha estourou, toda aquela especulação deixou a economia mundial de joelhos.

Mesmo com a economia global a recuperar dos excessos de Wall Street, o Goldman ofereceu à Grécia outro artifício. No início de novembro de 2009, três meses antes de a crise da dívida do país se tornar notícia mundial, uma equipa do Goldman propôs um instrumento financeiro que prolongaria a dívida do sistema de saúde da Grécia por muitos anos. Desta vez, porém, a Grécia não aceitou.

“Há situações análogas nos EUA, a começar pelos empréstimos predatórios feitos pelo Goldman, outros grandes bancos e empresas financeiras com que estavam aliados nos anos que antecederam o estouro da bolha. Hoje, enquanto os banqueiros gozam as férias nos Hamptons, milhões de americanos continuam a sofrer as consequências da crise financeira, quando perderam empregos, economias ou mesmo as suas casas”

Como sabemos, Wall Street foi socorrida pelos contribuintes norte-americanos. Nos anos seguintes, os bancos tornaram-se novamente rentáveis e reembolsaram os seus empréstimos de resgate. As ações dos bancos dispararam. Em novembro de 2008, uma ação do Goldman era negociada a 53 dólares; hoje, vale mais de 200 dólares. Os executivos do Goldman e de outros bancos de Wall Street têm recebido enormes bónus e promoções. Só no ano passado, Blankfein, hoje diretor-executivo do Goldman, ganhou 24 milhões dólares.

Enquanto isso, o povo da Grécia luta para comprar remédios e comida.

Há situações análogas nos EUA, a começar pelos empréstimos predatórios feitos pelo Goldman, outros grandes bancos e empresas financeiras com que estavam aliados nos anos que antecederam o estouro da bolha. Hoje, enquanto os banqueiros gozam as férias nos Hamptons, milhões de americanos continuam a sofrer as consequências da crise financeira, quando perderam empregos, economias ou mesmo as suas casas.

Da mesma forma, cidades e estados americanos têm sido obrigados a cortar serviços essenciais por estarem presos a operações similares, negociadas pelos mesmos bancos de Wall Street. Muitas destas operações envolvem swaps como o realizado entre o Goldman e o governo grego. Assim como fizeram com o governo grego, o Goldman e outros bancos asseguraram aos municípios que a troca de taxa de variação cambial permitiria arranjar empréstimos mais baratos do que se negociassem com taxas fixas tradicionais – enquanto, por outro lado, minimizavam os riscos do negócio. Quando as taxas de juros desabaram e os swaps acabaram custando muito mais, o Goldman e os outros bancos recusaram-se a renegociar com os municípios, que tiveram que pagar pesadas multas para encerrar os contratos.

Há três anos, o Departamento de Água de Detroit teve de pagar ao Goldman e outros bancos multas num total de 547 milhões de dólares para encerrar swaps de taxas de juros desvantajosos. Hoje, 40% do preço das contas de água de Detroit ainda vão para o pagamento da multa. Moradores de Detroit cuja água foi cortada porque não puderam pagar não têm ideia de que os responsáveis pela situação são o Goldman e outros grandes bancos. Da mesma forma, o sistema educacional de Chicago – cujo orçamento já foi cortado até ao osso – deve pagar mais de 200 milhões de dólares em multas pelo encerramento de uma operação de Wall Street que obrigava as escolas de Chicago a pagar 36 milhões de dólares por ano em swaps de taxas de juro.

“O Goldman Sachs e os outros bancos gigantes de Wall Street são extremamente hábeis para vender operações complexas, exagerando os seus lucros e minimizando os custos e riscos. É assim que abocanham taxas gigantescas. Quando um cliente tem problemas – seja este cliente um investidor americano, uma cidade dos EUA, ou a Grécia – o Goldman esquiva-se e esconde-se por trás de formalidades legais e dos interesses dos acionistas”

Uma operação envolvendo swaps de taxa de juro que o Goldman negociou com Oakland, Califórnia, há mais de dez anos, acabou por custar à cidade cerca de 4 milhões de dólares por ano, mas o banco recusou-se a encerrar o acordo sem que Oakland pagasse 16 milhões de dólares pela rescisão – levando os legisladores locais a aprovar uma resolução para boicotar o Goldman. Quando, numa reunião de acionistas, Blankfein foi questionado sobre o caso, explicou que romper um contrato válido ia contra os interesses dos acionistas.

O Goldman Sachs e os outros bancos gigantes de Wall Street são extremamente hábeis para vender operações complexas, exagerando os seus lucros e minimizando os custos e riscos. É assim que abocanham taxas gigantescas. Quando um cliente tem problemas – seja este cliente um investidor americano, uma cidade dos EUA, ou a Grécia – o Goldman esquiva-se e esconde-se por trás de formalidades legais e dos interesses dos acionistas.

Os devedores que se encontram com problemas raramente são irrepreensíveis, é claro: além de gastarem muito, foram ingénuos ou estúpidos o bastante para embarcar na canoa do Goldman. A Grécia criou os seus próprios problemas, assim como muitos proprietários e municípios americanos.

Mas, em todos os casos, o Goldman Sachs sabia muito bem o que fazia. Conhecia melhor os riscos reais e os custos das operações que propunha do que aqueles que os aceitaram. “É uma questão de moralidade”, disse o sócio na reunião Goldman em que se abordou a situação de Oakland. Exatamente.

*Artigo de Robert B. Reich, ex-Secretário do Trabalho dos EUA no tempo de Bill Clinton, publicado no jornal The Nation. Tradução de Clarisse Meireles para Carta Maior

Fonte: Esquerda.Net

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Os ricos cada vez mais ricos

Occupied america 

por [*] Mike Whitney, Counterpunch

Titanic Stock Bubble Fueled by Buyback Blitz – The Rich Get Richer

Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Por que as ações continuam sempre em alta, agora que o dinheiro especulativo voou para outras paragens e a economia dos EUA estagnou?

Segundo Marketwatch:

Pela oitava semana em sequência, fundos mútuos de longo prazo viram mais dinheiro saindo de ações norte-americanas para ações internacionais, segundo o Investment Company Institute. (…) Para a semana que terminou em 22/4/2015, saíram US$ 3,4 bilhões de fundos mútuos de longo prazo (…). No ano, até aqui, a saída líquida para ações norte-americanas é de US$ 13,79 bilhões, e a saída para ações internacionais é de US$ 41,12 bilhões.

Esses números contudo não incluem fundos cambiais. Só em abril, fundos mútuos e fundos cambiais focados em ações internacionais tiveram influxo de US$ 31,8 bilhões líquidos, e saída de US$ 15,4 bilhões, segundo (Why U.S. stocks are near highs even as fund investors flee[Por que as ações norte-americanas estão no pico, apesar da fuga dos fundos de investimento], Marketwatch).

Assim sendo, se os pequenos investidores estão mudando o dinheiro deles para Europa e Japão (para aproveitar as vantagens do “afrouxo monetário” [orig. Quantitative Easing, QE]), e os sinais vitais da economia dos EUA continuam indetectáveis (o PIB do primeiro trimestre chegou ao fundo do abismo dos 0,1%), nesse caso por que as ações continuam a apenas 2% do pico mais alto de todos os tempos?

Resposta: a recompra de ações.

mercado de ações wall street especulação bolha
Dirigentes Corporativos: – Continue enchendo! Investimento Imobiliário: – Pense em lucros de curto prazo! Especuladores: – E não pense em 1929!

A política monetária super-super acomodatícia do Fed de Bernanke criou um ambiente no qual os altos executivos e grandes empresários de grandes empresas podem tomar emprestado caminhões de dinheiro pagando as taxas mais baixas da história, e, na sequência usam o mesmo dinheiro para comprar ações de suas próprias empresas. Quando uma empresa reduz o número de ações no mercado, o preço da ação sobe, o que gera recompensa para ambos, para a empresa e para os acionistas. Claro que esse inchaço de preços nada acrescenta à produtividade da companhia ou a suas possibilidades de crescimento. De fato, o processo mina ganhos futuros, porque acrescenta mais números vermelhos no balanço. Mas esses “negativos” nunca são considerados na tomada de decisões, focada exclusivamente em ganhos de curto prazo. Tomem aí uma dose de Morgan Stanley, via Zero Hedge:

Em 2014, as [empresas que aparecem no índice das 500 maiores de Stanley and Poor] S&P 500 recompraram, em números líquidos, o equivalente a ~US$ 430bilhões em ações comuns e gastaram outros ~US$ 375bilhões para pagar dividendos. O capital total que voltou aos acionistas foi apenas um pouco inferior aos ganhos anuais reportados. No front da renda fixa, o mercado de ações de empresas com grau de investimento viu um recorde de US$ 577bilhões de emissão líquida em 2014. Embora os universos de ações e obrigações não se correspondam 100%, entendemos que esses números revelam história bem simples, mas importante. As corporações norte-americanas têm, essencialmente, emitido níveis recordes de ações e usado parcela significativa de seus ganhos e reservas de caixa para recomprar níveis recordes de ações comuns. (“Buyback Bonanza, Margin Madness Behind US Equity Rally”, Zero Hedge).

Quer dizer: as empresas estão tomando emprestado centenas de bilhões de dólares dos investidores, pelo mercado de ações. Estão usando esse capital barato para recomprar ações delas mesmas, para conseguir mandar para as alturas a recompensa [“bônus” por desempenho] devida aos executivos, e ganhar muito dinheiro à custa dos investidores. Ao mesmo tempo, vão enfraquecendo a estrutura de capital da empresa, carregando-a com mais dívidas. (Vale a pena observar que “empresas não financeiras com alto grau de investimento” estão hoje mais alavancadas do que estavam em 2007 antes do crash).

Essa farra ensandecida de recompra atingiu tais níveis de enlouquecimento, que as recompras atualmente já excederam os lucros em dois trimestres em 2014. Eis o que diz Bloomberg:

[As empresas que aparecem no índice das 500 maiores de Stanley and Poor] realmente amam seus acionistas (…). O dinheiro que voltou aos donos de ações excedeu os lucros no primeiro trimestre e pode exceder também no terceiro. A proporção do fluxo de dinheiro usado para recompras quase dobrou ao longo da última década, segundo Jonathan Glionna, diretor de pesquisa de estratégia de ações dos EUA em Barclays Plc.

As recompras ajudaram a alimentar uma das altas mais fortes dos últimos 50 anos, com as ações mais recompradas ganhando mais de 300% desde março de 2009. (Bloomberg)

Mas talvez estejamos sendo pessimistas demais. Talvez as ações tivessem subido de qualquer modo, por causa de ganhos recordes e melhoras na economia. Sim, é possível, não é? Não, não é. Não, pelo menos, segundo Morgan Stanley. Veja aí:

Desde 2012, mais de 50% do aumento nos Ganhos por Ação [orig. Earnings Per Share, EPSnas [empresas] S&P 500 foi puxado por recompras, e o crescimento sem as recompras tem sido de meros 3,3% anualizado.

“Mais de 50%!” Aí está o resumo do seu mercado, numa só e desgraçada expressão. Sem recompras significa sem qualquer crescimento no mercado de ações em cinco anos. Ponto final. Parágrafo.

Dívida-ela vai explodir
DÍVIDA dos EUA: – Ela vai EXPLODIR!
Não fosse pela engenharia financeira e o dinheiro fácil do Fed, as ações estariam no mesmo ponto em que, no geral, está toda a economia: girando em volta do buraco do ralo. É isso.

O mais frustrante de todo esse atual fenômeno é que o Fed sabe exatamente o que se passa, mais vira a cabeça e olha para outro lado. Assim, enquanto a bolha das ações cresce e cresce, o gasto de capital [orig. Capital Expenditure, CAPEX] – que é investimento em produtividade e crescimento futuros – continua a deteriorar-se, o PIB desaba para zero e a demanda vai-se tornando cada vez mais fraca. Não basta isso para que se deva repensar a política toda?

Santo Deus, não, não basta. O Fed está decidido a continuar agarrado à mesma política manca, até que o inferno congele. Que a política deles funcione ou não funcione não é questão que importe a alguém.

Agora considere essa informação, que nos deixa de olhos esbugalhados, de Wolf Street:

A GE, para encobrir perda líquida de US$ 13,6 bilhões e entradas declinantes no primeiro trimestre, disse, dia 10/4/2015, que vai recomprar US$ 50 bilhões das próprias ações. (Wolf Street)

Não sei dizer quantas vezes tenho lido notícias semelhantes nos últimos poucos anos. As entradas da companhia estão encolhendo, estão perdendo dinheiro a rodo e fazem o quê? Anunciam que vão recomprar US$ 50 bilhões das próprias ações.

Parece piada. Mas não fica por aí. As políticas do Fed também dispararam um frenesi de atividade nos empréstimos marginais. Eis o que noticia a rede CNBC:

A dívida marginal da Bolsa de Valores de NY [orig. New York Stock Exchange NYSE] bateu todos os recordes em março/2015, segundo dados recentemente distribuídos (…) A dívida marginal da NYSE alcançou US$ 476,4 bilhões, depois de chegar aos US$ 464,9 bilhões no final de fevereiro/2015. (ATENÇÃO: Esse valor é US$ 95 bilhões superior aos números de 2007, no auge da bolha).

Surge dívida marginal quando os investidores tomam empréstimos para comprar ações. Se um investidor compra US$ 100 em ações, com US$ 50 em capital, esse indivíduo tem US$ 50 de dívida marginal. Dado que a dívida marginal provê alavancagem, ela amplifica os ganhos, mas também aumenta o risco para o investidor. (“What record-high margin debt means for stocks” [O que significa a dívida marginal recorde, para as ações],CNBC). Gráfico a seguir:

gráfico dívida EUA

Mais empréstimos tomados, mais riscos, mais instabilidade financeira. E aí está tudo que o Fed tem feito. Se as taxas estivessem neutras, os preços se normalizariam e os altos executivos não estariam metidos nessa temerária roleta-russa. Em vez disso, é mandar às favas a prudência; continuar a pilhagem do endividamento até que todo o mercado desabe, direto ao poço, como aconteceu há seis anos.

Na verdade, já estamos, hoje, nessa trajetória. Segundo [pesquisa de] TrimTabs Investment Research,

(…) as recompras em fevereiro alcançaram US$ 104 bilhões, o maior número mensal desde quando começou esse acompanhamento, há vinte anos.

A verdade é que as coisas estão piorando, não melhorando. Resumo da história: o Fed levou os EUA à beira do precipício, mais uma vez, e o mais leve toque para cima nas taxas de juros empurrará o país, em queda livre.

Mas… por quê? Por que o Fed só faz “conduzir” o país de uma catástrofe financeira, até a seguinte?

Essa é a pergunta que os economistas Atif Mian e Amir Sufi respondem muito convincentemente, com um único e singelo gráfico. Vejam aí:

No gráfico abaixo se vê a proporção dos ativos financeiros, em relação à distribuição nacional de riqueza nos EUA. Dados tirados da 2010 Survey of Consumer Finances do Fed, gráfico a seguir:

Who Owns Financial Assets in the USA

“Os 20% mais ricos detêm mais de 85% dos ativos financeiros em toda a economia. É claro, portanto, que os ganhos diretos do capital vão só para os lares mais ricos dos EUA”. (Capital Ownership and Inequality [Propriedade do capital e desigualdade], House of Debt).

Por que o Fed cria uma bolha depois da outra, sem parar? Ora! Agora você já sabe.

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[*] Mike Whitney é um escritor e jornalista norte-americano que dirige sua própria empresa de paisagismo em Snohomish (área de Seattle), WA, EUA. Trabalha regulamente como articulistafreelance nos últimos 7 anos. Em 2006 recebeu o premio Project Censored por uma reportagem investigativa sobre a Operation FALCON, um massiva, silenciosa e criminosa operação articulada pela administração Bush (filho) que visava concentrar mais poder na presidência dos EUA. Escreve regularmente em Counterpunch e vários outros sites. É co-autor do livroHopeless: Barack Obama and the Politics of Illusion (AK Press) o qual também está disponível em Kindle edition.

Recebe e-mails por: fergiewhitney@msn.com.

Fonte: Rede Castor Photo

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Estado profundo, eventos profundos: Wall Street, Big Oil e o ataque à democracia nos EUA

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Lars Schall entrevista o Prof. Peter Dale Scott − Global Research, Canadá

The American Deep State: Wall Street, Big Oil and the Attack on U.S. Democracy

Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Lars Schall: Peter, decidimos conversar, dessa vez, sobre o Estado Profundo. A primeira pergunta que gostaria de fazer-lhe é: por que você insiste em dizer que ainda é importante falar sobre o 11/9?

Peter Dale Scott: Bem, o 11/9 foi momento de grandes mudanças na política externa e também na política doméstica dos EUA; é a razão pela qual quase imediatamente invadimos o Afeganistão e é também a razão pela qual começamos a planejar, quase imediatamente a invasão do Iraque, que se baseou no pressuposto falso de que Saddam Hussein teria alguma conexão com a Al-Qaeda. Onde houve “provas”, eram provas falsas, mas o governo escolheu acreditar nelas. De um ponto de vista norte-americano, as mudanças na política externa talvez não tenham sido tão graves quanto a implementação, naquele dia, do que chamamos de procedimentos para a “Continuidade do Governo” (orig.  “continuity of government” (COG) procedures), e que alteraram radicalmente o status da Constituição dos EUA. Planejaram durante 20 anos o que fazer no caso de emergência gravíssima como o 11/9; o plano foi trabalhado durante duas décadas por Donald Rumsfeld e Dick Cheney, que foram os dois que implementaram aquele plano no 11/9.

Edward Snowden

Não conhecemos detalhes daqueles planos, mas acho que podem ser resumidos em três grandes títulos: um deles é vigilância total, sem autorização judicial. Edward Snowden está aí para provar acima de qualquer dúvida que a vigilância é massiva, nos EUA, e por causa da implementação daqueles procedimentos COG. Outro, é a prisão sem mandado judicial; houve mais de mil muçulmanos detidos sem mandato e mantidos presos. Há, na lei comum dos EUA, o que se conhece como habeas corpus: não se pode manter pessoas detidas indefinidamente, sem formalizar alguma acusação contra o detido. Mas mais de mil pessoas foram detidas nos EUA sem acusação; e alguns desses detidos foram torturados. Essa é mudança imensa, enorme, na realidade doméstica, nos EUA.

E o terceiro título-resumo das mudanças é o envolvimento dos militares no que se chama “segurança da pátria” [orig. homeland security] nos EUA. Os militares têm agora papel de polícia, o que é absolutamente novo. Vez ou outra aconteceu de o exército ser chamado para enfrentar uma ou outra crise pontual, como os tumultos que houve em cidades do interior do país, nos anos 1960s. Mas manter um comando permanente do exército para a América do Norte − chamado NORTHCOM – isso é completa novidade; é mudança radical no papel do exército. Falo principalmente sobre isso, em Deep State [Estado Profundo]. Agora, os EUA temos instituições criadas para operar nos EUA sem serem controladas pela Constituição dos EUA. Não sei de outra mudança que possa ser mais radical que essa.

LS: O que é “Estado Profundo”, o que são “Eventos Profundos” e o que o 11/9 tem a ver com ambos?

Dana Priest

PDS: Permitam-me apresentar uma definição de “estado profundo” que não é minha. Uma repórter do jornal Washington Post, Dana Priest, escreveu um livro Top Secret America [1], no qual ela diz que agora temos

(…) dois governos: um dos cidadãos, com o qual estávamos habituados, operado mais ou menos às claras; o outro, um governo paralelo e top secret, cujas partes engordaram e reproduziram-se como cogumelos em menos de uma década, até formar um gigantesco universo próprio, que não para de crescer.

Está certo, no sentido de que esse estado profundo crescia como cogumelos ao longo da última década, quando ela escrevia. E isso precisamente por causa das mudanças introduzidas pelo 11/9 e pelos procedimentos para “Continuidade do Governo” (COG), que foram autorizadas e implementadas antes de o último dos quatro aviões estar no chão. Implementaram os procedimentos COG, e depois proclamaram a emergência, três dias adiante, e desde então vivemos sob aquele mesmo estado de emergência, o que significa que, na verdade, a Constituição já não vige como antes.

Você pergunta também sobre eventos profundos. Chamo o 11/9 de evento profundo, porque, desde o início, jamais se soube exatamente o que aconteceu. Até jornalistas comentaram a confusão e a profusão de informes; a coisa ficou tão séria que o Congresso teve de pressionar. Foi uma luta para conseguir que se investigasse alguma coisa. É o maior ato criminoso jamais cometido nos EUA, e a Casa Branca tentou não investigá-lo.

A cena do crime foi desmontada, na prática, imediatamente; para muitos, foi crime ter adulterado a cena daquele crime. Disseram que procuravam cadáveres e que, por esse motivo, removeram todo o metal encontrado. Hoje, cientistas mostram-se muito interessados em saber que tipo de resíduos havia naquele aço, para confirmar se os prédios foram explodidos de dentro para fora, ou de fora para dentro. A maior parte do metal retirado da cena do crime foi embarcado rapidamente em navios para fora dos EUA. Por essas e outras, pode-se dizer que, sim, o 11/9 foi um evento profundo, e houve uma comissão de investigação.

Há dois grandes eventos profundos na história recente dos EUA: primeiro, o assassinato de Kennedy em 1963; depois, o 11/9; há outros, e alguns deles são, de fato, bem pequenos: profundos e pequenos. Você sabe que acho que passei por alguns eventos profundos na minha vida pessoal. Narro um deles em The American War Machine. Mas os eventos profundos que tiveram consequências sobre a Constituição foram: o assassinato de Kennedy – com consequências quase invisíveis, mas nem por isso menos reais, que mudaram completamente o papel da CIA e o relacionamento da Agência com o FBI e com a polícia local.

Muito mais importantes foram as mudanças introduzidas depois do 11/9. Considerem o movimento que Edward Snowden documentou tão completamente: a vigilância sem mandado judicial. Essa, dentre as três grandes mudanças, é talvez a menos importante, mas é a única sobre a qual todos estamos falando, nesse país.

Nos dois casos, criaram-se comissões para investigar, e aquelas comissões nos apareceram com fatos que, como já está provado, eram falsos. Aí está o verdadeiro teste para diagnosticar se se está diante de um verdadeiro grande evento profundo: quando há investigações, e no final nos vêm com uma história tão cheia de buracos, que todos logo percebem que não passa de um monte de mentiras. Então, por definição, evento profundo é aquele sobre o qual a verdade jamais é apresentada à opinião pública; os maiores deles são aqueles em que aparece alguma ‘versão’ que pode ser verdadeira em alguns aspectos, mas que é rigorosamente falsa nos aspectos chaves.

John Kennedy

LS: No seu trabalho, dentre outras coisas, você está à procura do padrão que se teria repetido no 11/9 e no assassinato de JFK. Para começar: quando foi que você encontrou esse padrão e o que o levou a ele?

PDS: Logo depois do 11/9 chamou-me a atenção o fato de que eles já sabiam, quase imediatamente, quem fizera tudo. No livro de Richard Clarke (que estava em posição de saber), ele diz que o FBI tinha uma lista dos sequestradores dos aviões já antes das 10h daquele dia (antes, portanto, também, de o último avião cair). Quem conheça qualquer coisa sobre o assassinato de Kennedy sabe que uma das coisas jamais explicadas é como conseguiram divulgar, na fita distribuída pela polícia, uma descrição do assassino, do homem que atirou contra Kennedy, aparentemente de uma janela. E a descrição era bastante precisa: 1,70m [orig. 5 feet ten inches], 74,80kg [orig. 165 pounds]. Ninguém jamais disse de onde saíra tal descrição. Adiante, foi atribuída a um homem, Howard Brennan, que estava na rua e disse ter visto o atirador; mas só viu o topo da cabeça do homem, pela janela; como poderia saber que media 1,70m e pesava 74,8 kg?

Lee Harvey Oswald

O que interessa é que essa é precisamente a descrição de Lee Harvey Oswald na ficha do FBI e na ficha da CIA, apesar de estar errada. 15 minutos depois do assassinato, a rádio interna da Polícia já divulgava uma descrição do assassino, copiada dos arquivos do FBI e da CIA; e o  FBI  nunca conseguiu explicar, ninguém, do lado do governo, jamais conseguiu explicar como aconteceu tudo isso.

Vale o mesmo também para o 11/9. Também nesse caso logo apareceu internamente uma lista de sequestradores, e dois nomes que lá estavam foram rapidamente excluídos, porque um [Adnan Bukhari] havia morrido, e o outro [Ameer Bukhari] comprovadamente não estava em avião algum. Acho que essa também foi uma lista copiada de arquivos. E essa é só a primeira semelhança entre esses dois eventos profundos. Em meu livro The War Conspiracy listo mais de uma dúzia de semelhanças e, desde então, continuo a acrescentar outras semelhanças, no modus operandi.

Outra coisa é que essas pessoas sempre deixam rastros “em papel”: Oswald mantinha um diário e fez quantidade enorme de coisas que, adiante, foram usadas para incriminá-lo (quando, claro, já estava morto); e, no Aeroporto Logan, Mohamed Atta e seus amigos deixaram um carro cheio de provas. Sempre muito conveniente para o FBI que os perpetradores – ou os que chamo de “culpados por designação”, porque evidentemente já estava resolvido, desde antes, quem levaria a culpa pelo crime – todos eles, tenham fornecido provas documentais contra eles mesmos. E há muito mais. Não sei se basta para você, agora.

LS: Gostaria de perguntar-lhe sobre canais de comunicação específicos envolvidos nos dois casos, no assassinato de JFK e no 11/9. Por que essa talvez seja a semelhança mais importante?

PDS: É verdade, sim, que acho que a rede nacional de comunicações – nomes diferentes ao longo dos anos, mas é a rede especial de comunicações que foi montada em conexão com os planos para Continuidade do Governo, e a coisa começa nos anos 1950s, mudando sempre de nome. Essa semelhança só a encontrei mais tarde. Durante muitos anos eu soube que a Agência de Comunicação da Casa Branca [orig. White House Communications Agency (WHCA)] foi fator importante no assassinato de Kennedy, porque trabalharam junto com a investigação feita pela Warren Commission, distribuíram as transcrições e liberaram algumas mensagens do Serviço Secreto, mas sabe-se que havia dois canais da Polícia, ambos divulgados, mas também havia um terceiro canal, que estava sendo usado no Daily Plaza, e o Serviço Secreto estava usando o canal do que se conhece como Agência de Comunicação da Casa Branca.

Eu soube, durante anos, que tínhamos de explicar isso, mas não conseguíamos. Em 1993, quando organizaram um Corpo para Revisão dos Registros do Assassinato [orig. Assassination Records Review Board], fui até lá e disse que eles tinham de obter aqueles registros, mas não foram divulgados. Mesmo assim, a Agência de Comunicação da Casa Branca vangloria-se, no seu website – suponho que ainda se possa ler lá – de ter ajudado a resolver o caso do assassinato de Kennedy. Acho muito estranho, porque há muitos registros que nunca foram entregues à Comissão Warren, supostamente encarregada de resolver o mesmo caso.

E então, quando os registros começaram a aparecer sobre o 11/9 – demorou alguns anos, tivemos o relatório da comissão do 11/9 e lá se via que há algumas comunicações, telefonemas, que foram feitos e recebidos, mas sem qualquer registro. Em meu livro The Road to 11/9, escrevi que as provas sugerem que estivem usando… que já estivessem implementando os procedimentos para Continuidade do Governo (COG). Significa que, se isso se confirmar, eles implementaram [e já estavam usando] a rede especial de comunicaçõesCOG, a qual, com troca de nomes, é herdeira da rede de emergência; e que a Agência de Comunicações da Casa Branca era, como continua a ser até hoje, parte daquela rede de emergência.

Por causa disso, pude confirmar que o caso Irã-Contras foi mais um evento profundo, porque se descobriu que Oliver North, em 1985-86, enviava armas para o Irã, o que é ilegal, e muita gente no governo nada sabia sobre a “prática”. Não sabiam, porque Oliver North era o encarregado daquela mesma rede de emergência e usou aquela rede de emergência para comunicar-se com a Embaixada em Portugal, por exemplo, para facilitar o processo de levar as armas ao Irã. Isso, para mim, é mais um denominador comum.

Oliver North

Watergate foi outro evento profundo. Até hoje ainda não se sabe por que fora instalada uma escuta no telefone do Comitê Nacional do Partido Democrata, mas sabemos que James McCord, encarregado da equipe que instalou a escuta, era membro da rede Especial da Reserva da Força Aérea conectada aos procedimentos para Continuidade do Governo. E que estava encarregado dos diferentes passos para o mesmo tipo de ação: quem vigiar, as prisões sem ordem judicial. Todas essas ações já estavam organizadas e operantes na época de Watergate.

Esses, portanto, são os denominadores comuns que mais me chamam a atenção nesses quatro eventos profundos – JFK, Watergate, Irã-Contra e, finalmente, o 11/9. E se algum dia voltarmos a ter evento profundo desse tipo, posso prever agora, com base no que já se sabe sobre o desempenho passado, que a rede de emergência, essa rede à qual as pessoas comuns que trabalham no governo não têm acesso, novamente será fator decisivo.

LS: O Serviço Secreto foi ativo nos dois eventos principais?

PDS: São eventos principais precisamente por causa do que dissemos: porque usaram a Agência de Comunicação da Casa Branca para suas comunicações. Já se escreverem muitos, muitos livros sobre o Serviço Secreto e o assassinato de JFK – alguns muito exagerados, e houve quem envolvesse o Serviço Secreto naqueles eventos. Acho que, nisso, muita gente fez mal o próprio trabalho; ou não fizeram o que deveriam ter feito, não investigaram quem deveriam ter investigado. Não implica dizer que sejam culpados, e não estou subscrevendo aquelas teorias. Menos óbvio no caso de 11/9, o Serviço Secreto. Mas, o que é interessante, eles tiveram um papel ali, porque, num certo ponto – há um avião especial para a Continuidade do Governo, chamado E4B, conhecido como o “Avião do Juízo Final” [orig.Doomsday Plane], e chamam o planejamento para a Continuidade do Governo de “Programa do Juízo Final” [orig. Doomsday Program], e esse avião sobrevoou a Casa Branca.

Nenhum avião pode sobrevoar a Casa Branca, em nenhum caso. Mas precisamente naquele dia, quando tudo deu errado, o E4B – deve ser o avião especial para a Autoridade Nacional em Comando, que são o presidente e o secretário de Defesa. Mas, evidentemente, nem um nem outro estavam naquele avião: o presidente estava na Florida, e o secretário de Defesa estava no Pentágono, segundo seu próprio relato, ajudando a pôr gente em macas – o que parece serviço bem esquisito para o secretário de Defesa, no momento em que a nação estava sendo atacada.

Dick Cheney

Mas o avião lá esteve, e o Serviço Secreto reagiu, fazendo evacuar o prédio. Há narração muito vívida de como praticamente tiveram de puxar o vice-presidente Cheney da cadeira onde estava e empurrá-lo para fora e é claro que lhe disseram que o país estava sendo atacado e que o mais lógico, o mais sensível, para ele, seria sair o mais depressa possível para o que se conhece como PEOC (Presidential Emergency Operations Center, o bunker de emergência que há no subterrâneo da Casa Branca, para quando a nação seja atacada. Mas o mais interessante é que Cheney não foi diretamente para o PEOC; passou vários, vários, muitos minutos no túnel, usando um telefone que havia ali. E o que poderia ser aquele telefone? Aposto bom dinheiro que era telefone conectado à rede de emergência, e acho que ali, por aquele telefone, tomaram-se várias decisões chaves; ali, não na presença dos principais conselheiros que já estavam no PEOC.

Quero dizer pois que o Serviço Secreto estava envolvido, no sentido de que sua missão era levar Cheney e permanecer com ele naquele corredor – por cerca de 20 minutos – enquanto Cheney fazia várias ligações e falava com ambos, o presidente e o secretário de Defesa.

LS: Sobre o “Programa Continuidade do Governo”: por que é tão importante saber mais sobre ele? E continua ativado, até hoje?

PDS: Comecemos pela segunda parte da pergunta. Sim, tanto quanto se sabe, continua ativado. Não é fácil falar sobre isso, porque ninguém jamais pronunciou uma única palavra sobre o que são esses procedimentos especiais. Só se sabe o que foi revelado nos anos 1980s. Mas fato é que tudo de que se falou nos anos 1980s é o que se vê implementado desde então: vigilância total sem autorização judicial, está aí, para quem queira ver; detenção por tempo ilimitado e sem acusação formal, está aí, para todos verem; os militares envolvidos permanentemente nas funções tradicionais de polícia. Há uma brigada do exército em permanente estado de prontidão, para enfrentar quaisquer casos de perturbação social interna.

LS: E por que é importante saber mais sobre isso tudo? Por exemplo, significa que a Constituição dos EUA, de que os norte-americanos tanto se orgulham, está suspensa, sem efeito?

PDS: Não está suspensa completamente, mas em larga medida foi suplantada. As três coisas de que falei, todas, especialmente as duas primeiras. Quero dizer que todos sabemos que o habeas corpus é muito claramente mencionado na Constituição. Não que seja exatamente garantido pela Constituição, mas é assumido como direito garantido na Constituição, porque tem longa história que vai até a Carta Magna no século XIII. É um dos mais antigos direitos fundacionais das liberdades da common law. E foi gravemente ab-rogado, não suspenso. Se quiserem deter alguém, deterão, como têm detido. E não só estrangeiros: também cidadãos norte-americanos.

Assim portanto, sim, o status constitucional foi gravemente erodido, e mais e mais pessoas começam a falar sobre isso. Finalmente começamos a ver debate sério sobre a vigilância ilegal, que é inconstitucional, e o presidente disse que tomaria providências, mas ainda não se viu, até agora, providência alguma, além de muito se dedicarem a processar Snowden, que prestou relevante serviço público. Como se não bastasse, acusaram também o homem que criou o programa de encriptação que possibilitou que Snowden partilhasse os documentos com Greenwald. E tanto perseguiram esse homem, que ele foi forçado a fechar sua empresa. Estão impondo a todos, com requintes de crueldade, esse sistema de segredos – governo que governa por segredos, como se houvesse uma segunda carapaça que fecha o governo sobre ele mesmo e mina qualquer tentativa de abertura e transparência.

LS: Quanto ao 11/9, você diz que, de certo, só sabe uma coisa: que com certeza houve encobrimento massivo. O que foi encoberto e por quê?

PDS: Até hoje não há explicação satisfatória de por que os aviões caíram. O mais provável é que tenham sido interceptados em voo. Com certeza, ao tempo do 3º e do 4º aviões, eles têm de ter sido interceptados. Há uma explicação elaboradíssima da comissão que investigou o 11/9, mas muitas coisas permanecem sem explicação. O comportamento do vice-presidente, que era figura chave. Houve um telefonema que implementou o programa Continuidade do Governo; aí está o centro de tudo que aconteceu aqui. Não há nenhum vestígio desse telefonema. Não porque jamais teria havido traço algum, porque é claro que o telefonema não foi feito de telefone particular, ou coisa assim; não há vestígio desse telefonema porque ele foi com certeza feito por canais internos, tenho certeza de que foi feito por uma linha do programa Continuidade do Governo. E é direito nosso saber exatamente o que aconteceu e o que foi feito.

Tudo isso, além do mais, tem consequências legais reais, porque uma das coisas que ainda terão de ser explicadas é por que o vice-presidente tomou decisões que, por lei, não podia tomar. Temos uma Autoridade Nacional em Comando que governa os militares: são o presidente e o secretário de Defesa. Tanto quanto se sabe – e faltam muitas informações, o que permite supor que estejam sendo ocultadas – as decisões reais foram tomadas pelo vice-presidente que não é parte da Autoridade Nacional em Comando.

Tudo isso teria de ser investigado, porque é muito possível que se tenham cometido vários crimes, na reação ao 11/9. Aqui não falo do próprio dia 11/9, que não discuto em meu livro, porque já foi discutido em muito livros. Mas na resposta ao 11/9 com certeza fizeram-se coisas que não foram feitas como a lei determina que sejam feitas. Como foram feitas, é o que hoje se encobre, porque não há registros de coisa alguma.

LS: Teria sido possível evitar que o 11/9 acontecesse? Quero dizer, é pergunta crucial para tudo quanto tenha a ver com a Agência de Segurança Nacional (NSA). A NSA ignorava completamente os planos para atacar os EUA?

Curt Weldon

PDS: Sabe-se tão pouco dessa Agência de Segurança Nacional dos EUA, que é difícil, para mim, responder sua pergunta. Há alegações, é claro, de que esse tenente Shaffer apresentou-se e disse que a Agência de Inteligência da Defesa (DIA) tem, de fato, arquivos completos sobre Mohamed Atta e outros (…) Mas o Pentágono negou e depois o deputado Republicano Curt Weldon levou a coisa ao Congresso e queria mesmo ir ao fundo de tudo e, na sequência, o FBI  tratou-o de forma horrorosa. O FBI vazou a “ideia” de que Weldon estaria sob investigação por causa de algo que envolveria a filha dele, e todos os jornais encheram-se daquele assunto. Weldon não chegou a ser acusado formalmente, mas não foi reeleito, quer dizer, o FBI conseguiu tirá-lo do Congresso.

Foi portanto um sinal, e falo disso no meu livro, de que é muito perigoso, para políticos eleitos, desafiarem essa parte do governo dos EUA que chamo de “estado profundo”, porque inevitavelmente, se se atrevem a desafiar o estado profundo, acabam derrotados nas urnas, quando se candidatam à reeleição. Escrevi isso antes do caso Curt Weldon, mas o caso foi muito importante.

Falemos sobre a CIA. A CIA com certeza absoluta sabia sobre os dois sequestradores, que eles estavam naquela ação – costumo dizer “ditos sequestradores” porque, não sei com certeza, até hoje − que papel tiveram no 11/9, mas acho provável que eles tenham embarcado nos aviões, embora absolutamente não consiga acreditar que seriam capazes de dirigir os aviões para atacar os prédios. Essa foi ação de alguma outra força agindo do lado de fora dos aviões, uma tecnologia simples e fácil de operar no século XXI. Mas se aqueles dois sequestradores… A CIA teria de ter informado o FBI sobre eles, mas não informou. E eles puderam movimentar-se à vontade, fazer contato com outros sequestradores. Se os procedimentos tivessem sido respeitados, a CIA teria notificado o FBI, o FBI os poria sob vigilância e, a partir daqueles dois, seria possível conhecer virtualmente todos os sequestradores. Portanto, o fato de a CIA não ter encaminhado a informação que tinha sobre eles é uma das causas de as coisas terem acontecido como aconteceram dia 11/9.

É só uma parte do grande quadro, mas é parte significativa; e houve falhas de comunicação semelhantes a essa também no caso do assassinato de John F. Kennedy. Aí está mais uma das muitas semelhanças – que a CIA enviou um telegrama ao FBI … Não foi telegrama, foi uma mensagem: enviaram uma mensagem ao FBI sobre Lee Harvey Oswald, mas suprimiram a informação sobre o que os teria levado a pôr Lee Harvey Oswald sob vigilância total. E se ele não estivesse sob vigilância, não teria tido o papel que acabou por ter, quando foi “designado” culpado pelo assassinato de Kennedy. Nesse sentido é que me parece muito, muito significativo que a CIA tenha ocultado essa informação.

Não estou dizendo que eu saiba quem fez acontecer o 11/9 e, diferente de muitos, não estou dizendo que a Casa Branca fez acontecer o 11/9. Não. Acho que alguém no estado profundo fez acontecer o 11/9. Mas, veja bem, pela minha concepção, há muitos elementos, nesse estado profundo, que não participam sequer do governo. Por isso, dizer que uma ou outra coisa foi obra do estado profundo não informa muito sobre coisa alguma. Mas temos de saber mais e há registros escondidos que têm de ser expostos, porque nos ajudarão a compreender o que houve.

LS: Mas digamos que, se houvesse elementos do governo envolvidos no 11/9… O que se diz é que, se houvesse, alguém já teria falado. Ninguém consegue guardar segredos em Washington. O que você pensa sobre isso?

PDS: Bem… Há até um livro sobre o assassinato de Kennedy, que leva o título de “Alguém já teria falado” [orig. Someone would have talked]. De fato, dizem isso desde o início, depois do assassinato de Kennedy, e a resposta do livro é que ninguém deu ouvidos aos que, sim, falaram.

Acontece o mesmo sobre o 11/9. Ontem mesmo estava conversando sobre o 11/9, e lá havia alguém disposto a jurar sobre a Bíblia, que o último avião, o voo 93, foi provavelmente atingido sobre Shanksville, parte do avião caiu ali, mas o avião continuou porque… o sujeito tem um amigo que falou com um grande amigo de alguém que tem um outro grande amigo que viu o míssil atingir o voo 93 sobre Camp David, onde o presidente poderia estar, escondido nas montanhas. Nada disso apareceu nos jornais, não porque o homem não tenha falado, mas porque ele falou; imediatamente depois recebeu uma visita do FBI e o FBI disse ao homem que nunca mais voltasse a falar sobre o tal assunto.

Na verdade, apareceu na mídia. Há – acabo de rever – uma matéria de TV daquele momento. E o FBI diz que um avião foi abatido sobre Camp David e que receberam a informação da Administração Federal de Aviação (FAA). Estava tudo na televisão, mas foi tirado da televisão, e a nação esqueceu aquilo, ou quase toda a nação esqueceu o que vira e ouvira. O voo do E4B sobre a Casa Branca – também foi notícia da CNN, na televisão. É parte muito importante da história. Mas, na sequência, a coisa é apagada. Por sorte, algumas pessoas gravaram e repuseram a informação no YouTube (vídeo a seguir).

A Força Aérea negou que tenha acontecido, mas não há dúvidas de que aconteceu, é claramente o E4B. Depois, outras pessoas apareceram com algumas explicações.

É sabido que a informação é sempre controlada em qualquer sociedade, e se alguém diz algo que não se enquadra na história oficial… Somos sociedade bastante aberta, nos EUA. De fato, as pessoas dizem, sim, o que veem e sabem. Mas as autoridades e a imprensa-empresa comercial absolutamente não lhes dão ouvidos.

LS: Ainda sobre essa questão, se alguém tivesse falado sobre o 11/9, e que pode ter acontecido coisa muito diferente do que foi informado às pessoas e o caso de Sibel Edmonds. Você pode falar um pouco sobre ela?

PDS: Sibel Edmonds era tradutora e trabalhava para o FBI, e viu coisas. Suas línguas eram, se bem me lembro, turco e farsi, e ela viu que o FBI estava investigando gente e, porque os agentes não falavam farsi, precisavam que ela traduzisse as comunicações que tinham. E o que ela viu era tão alarmante, que ela tentou levar a coisa ao conhecimento dos chefes dela.

Faz muito tempo que estudei o caso dela, mas, basicamente, lhe disseram que calasse a boca. Depois e até hoje, ela está sob ordem judicial e proibida de falar. Então, não contou tudo o que sabe, fala sobre outras coisas, mas, sim, deu fortes indicações de que gente muito “graúda” dentro do governo esteve envolvida em atividades pouco recomendáveis com outros governos e ela citou aqueles governos, entre os quais o governo da Turquia. Sibel é só um exemplo, e não é o único caso, de cidadão proibido de declarar a verdade, nessa sociedade livre em que vivemos.

LS: A versão oficial do 11/9 está baseada em grande parte no que prisioneiros disseram sob tortura. A história fica toda comprometida, por causa disso? E essa informação continua a ser ocultada de muitas e muitas pessoas, até hoje?

PDS: O relatório da Comissão do 11/9 é apenas uma pequena parte da investigação, mas a parte em que se fala sobre o que a Al-Qaeda teria feito, como teriam planejado e tal e tal, sim, todas essas informações foram obtidas de prisioneiros sob tortura. Algumas dessas testemunhas já não permanecem presas e retiraram aquelas declarações. Abu Zubaydah, por exemplo, “confessou” que seria membro da Al-Qaeda, o que jamais foi, em tempo algum. Tudo, aí, me parece mal conduzido e desencaminhado. Minha opinião é que aqueles depoimentos devem ser descartados para sempre.

Isso não invalida todo o relatório da Comissão do 11/9, mas alguns capítulos, os que falam sobre o que a Al-Qaeda teria feito, sim, esses capítulos não merecem nenhuma confiança e não podem ser tomados em consideração. Na verdade, a Comissão do 11/9 pediu para ver as transcrições, mas jamais as recebeu; basta isso, para que tudo se torne muito suspeito. A Comissão não foi jamais informada de que as testemunhas estavam depondo sob tortura. A partir disso, acho que ambos os co-presidentes daquela comissão, Thomas Kean e Lee Hamilton, reclamaram que teriam sido realmente enganados pela CIA.

Por essas e outras, a versão oficial que se lê no relatório da Comissão do 11/9 está em farrapos. Foi desqualificada até pelos co-presidentes da própria comissão. Seja como for, o importante é que, em primeiro lugar, nunca poderia ter acontecido de autoridades dos EUA usarem tortura para extrair depoimentos de prisioneiros. Em segundo lugar, o fato não poderia ter sido escondido das autoridades. Se torturaram, teriam de dizer que torturaram e que aquelas informações foram extraídas sob tortura; mas mentiram sobre isso, quero dizer, mentir é o terceiro crime. E em todos os casos e seja como for, tudo isso é uma desgraça.

LS: Você acha que a hegemonia dos EUA declinou por causa da ação que se seguiu ao 11/9? Por exemplo: tudo sugere que os verdadeiros beneficiários da Guerra ao Terror são, mesmo, China e Rússia.

PDS: Bem, vejamos tudo isso, passo a passo. Uma das principais consequências do 11/9 foi os EUA invadirem o Iraque. E acho que ninguém, no mundo, discordará se dissermos que o poder dos EUA principalmente no Oriente Médio começou a ser erodido por causa daquela ação de invadir o Iraque. O primeiro resultado não desejado surgiu logo em seguida, nas eleições: se querem democracia no Iraque, e no Iraque a maioria é xiita, a maioria elegerá governo xiita. E os xiitas são muito mais amigos do Irã, que dos EUA. Muita gente previu que aconteceria exatamente o que aconteceu. Não se trata de engenharia espacial; é o óbvio.

Aquela invasão também fez aumentar as tensões entre EUA e Arábia Saudita. A Arábia Saudita historicamente — se é bom ou mau que assim seja é outra questão a debater –sempre foi o mais forte aliado dos EUA naquela região. E hoje há grandes diferenças, porque a Arábia Saudita adorou ver o fim de Saddam Hussein, mas não queria invasão; porque sabia que a invasão desestabilizaria o Iraque e criaria um estado… não gosto de dizer “estado falhado”, não gosto dessa expressão… mas criaria uma autoridade muito enfraquecida no Iraque, o que é muito perigoso para a Arábia Saudita. Os sauditas têm todos os motivos para estar muito desgostosos com o que os EUA fizeram no Iraque; a invasão enfraqueceu as relações dos EUA com os sauditas.

Zbigniew Brzezinski

Agora, aí está todo o Oriente Médio – o que Zbigniew Brzezinski chamou de Arco das Crises, em 1978 ou 79; e hoje é muito mais Arco das Crises do que era naquele momento, por causa… Você sabe que, para mim, a invasão contra o Afeganistão também foi erro grave, mas ainda me parece mais defensável que a invasão contra o Iraque, mas esses dois erros expandiram-se enormemente e, isso, ainda sem falar sobre a Al-Qaeda. E surgiram novas forças al-Qaedistas, gente em tudo assemelhada à Al-Qaeda, e há hoje muitos grupos que têm realmente base no Iraque, hoje, como resultado da invasão dos EUA contra o Iraque. E a coisa está-se expandindo também para a África. Por tudo isso, não sei se os maiores beneficiados são mais a Rússia e a China, que grupos de foras-da-lei e a anarquia.

Entendo que Rússia, China e os EUA todos têm interesses comuns em não promover terroristas e o terrorismo, e acho que a Rússia já disse muito claramente que gostaria de cooperar com os EUA para enfrentarem o terrorismo; até houve momentos em que parecia que Obama, pelo menos, tinha vontade de trabalhar mais em associação com a Rússia, especialmente no caso da Síria, por exemplo, onde elementos al-Qaedistas são hoje parte importante do problema, e para ambos, para a Rússia e para os EUA.

E então, de repente, os EUA inventamos a Ucrânia. De fato, até a Ucrânia se pode dizer que teve muito a ver com o que aconteceu depois do 11/9. Essas discussões podem exigir mais tempo do que temos aqui, mas a deterioração do entendimento entre Rússia e EUA – e o Afeganistão é parte disso – é questão muito complicada, e outras questões também são complicadíssimas, mas uma coisa é bem clara: o Iraque foi desastre completo e criou tensões de tal ordem que, se não aprendermos a lidar com essas tensões, nos aproximaremos cada vez mais perigosamente de uma guerra nuclear, mais rapidamente hoje, do que há 20 ou 30 anos. Essa, sim, é situação muito alarmante.

LS: Sobre a guerra do Iraque, você diria que o movimento pela paz em todo o mundo falhou depois do 11/9, porque muito protestaram, por exemplo, contra a guerra no Iraque, mas sem questionar as raízes do mal, a saber, a narrativa oficial sobre o 11/9, como pretexto e suposta justificativa para ir à guerra?

PDS: Com certeza teríamos movimento muito mais poderoso contra a guerra do Iraque, se já tivéssemos compreendido exatamente o que aconteceu no 11/9. Mas não acho que seja realista supor que poderíamos saber, naquele momento, o suficiente. Você sabe… os EUA invadiram o Iraque em 2003, e só em 2004 foi divulgado o relatório da Comissão do 11/9, que não é grande coisa, mas nem isso havia em 2003. Por isso, não me parece que poderia ter ajudado o movimento antiguerra em 2003, mas com certeza ajudará em movimentos futuros, do mesmo tipo.

John Kerry

Não sei o que acontecerá na Ucrânia, mas… Bem, a verdade é que, sim, acho que agora já sei. Acho que a Europa está intervindo para impedir que os EUA façam papel de perfeitos imbecis. Não posso acreditar que John Kerry tenha realmente dito algumas das coisas que, sim, ele disse recentemente. Penso, por exemplo, no que disse a Putin depois da Crimeia, que não se faz tal coisa no século XXI. Ora! Os EUA são o mais desavergonhado e visível exemplo de, exatamente, a mesma prática!

Portanto, penso que quem não está no governo tem de mobilizar-se em todo o mundo para criar uma opinião pública global que possa deter – não digo só os EUA, mas os EUA e todos os demais governos que se excedam, como os EUA excedem-se. Várias vezes aconteceu de os governos não se preocuparem com a opinião pública, o que sempre foi mau. E agora estamos começando a desenvolver uma opinião pública, que pode controlar os governos, o que é bom.

Acho que a opinião pública for fator determinante para persuadir empresas norte-americanas a não investir na África do Sul. E o movimento de desinvestimento, que foi ação da opinião pública, foi fator importante, e o próprio Nelson Mandela reconheceu-o como tal, como fato importante da libertação da África do Sul. Foi ação da opinião pública. No fim, quem pôs fim à segregação racial no sul dos EUA também foi a opinião pública. É uma ação positiva. Nada conseguiu no caso do Iraque, mas não se pode concluir que, porque não deu certo uma vez, o movimento não valeria a pena. Vale. Vale muito a pena.

LS: Você tem alguma esperança de que algum dia, no futuro, será possível dar resposta satisfatória à pergunta sobre o que, realmente, aconteceu no dia 11/9 nos EUA?

PDS: Se você está falando de o governo dos EUA dar resposta satisfatória a essa pergunta, o mais provável é que jamais dê. Mas as pessoas estão investigando. Muita gente dedicou a vida a investigar aqueles eventos. Não é o meu caso, mas há gente que fez exatamente isso. Acho que já há descobertas importantes. Já se sabe com certeza, por exemplo, que, sim, havia material explosivo no Prédio Sete e nas duas torres. Houve uma investigação conduzida pelo NIST – Instituto Nacional de Tecnologia e Padrões; recentemente, o mesmo NIST foi obrigado a revisar suas conclusões daquela época.

Você sabe, eles disseram que o Prédio Sete caiu em 5,3 segundos e os críticos responderam que parte desse tempo foi queda livre; e eles disseram simplesmente que a queda em 5,3 segundos não poderia ter sido queda livre. Pediram então definição mais clara sobre o que significavam aqueles números, e apareceu um gráfico no qual se viu que, de fato, durante dois ou três segundos, no meio da queda, o prédio desabou em queda livre. Ora, se o prédio desabou em queda livre, tem de ter havido algum tipo de explosão que “esvaziou” o caminho da queda da parte superior do prédio, até o chão: bem simples de entender.

Tudo isso para dizer que acho que fizemos progressos significativos; podemos falar seriamente sobre os eventos, para fazer o governo admitir a verdade dos fatos. Mas… Você sabe, já estamos em  2014 e ainda não apareceu ninguém para corrigir as conclusões da Comissão Warren, mas a maioria dos norte-americanos sabemos que a Comissão não chegou a nenhum tipo de resposta confiável. A própria opinião pública, os próprios cidadãos, penso eu, continuarão a investigar com seriedade.

LS: Mas vinda da comunidade internacional, há algum tipo de pressão para que os EUA promovam investigações claras e limpas? Você acha que haverá, algum dia?

Glenn Greenwald

PDS: Sou ex-diplomata e acho que governos não falam nesse tom, entre governos. Não sei, sequer, se seria bom que falassem. Governos têm de lidar com interesses sempre estreitos. Não é tarefa para governos, é tarefa para o povo, para alguma imprensa-empresa livre, onde houver, pressionar para que a verdade venha à tona. Por sorte, outros países também falam inglês, de tal modo que a imprensa britânica, por exemplo, pôde acolher e divulgar com muito mais precisão os feitos de Snowden e o material que entregou aos cuidados de Glenn Greenwald. De modo geral, acho que se os norte-americanos quiserem saber o que se passa no país, melhor que passem a ler o Guardian inglês – em inglês, e que pode ser lido online. Verdade é que só não sabe das coisas quem prefira não saber.

É o tipo de coisa que pode restaurar certo grau mínimo de sanidade, num mundo que… Devo dizer que os EUA são país maravilhoso, gosto muito de viver aqui. Problema, mesmo, é o governo dos EUA que, ultimamente, tem agido como doido. Invadir o Iraque foi loucura. Muitos especialistas disseram que nunca daria certo. Depois, o governo disse que Saddam Hussein teria armas de destruição em massa, mas as provas logo foram desmentidas, e tão completamente desmoralizadas que o governo sequer conseguiu usar a ideia-ameaça como planejara usar. Para devolver o governo dos EUA à sanidade, só muita pressão feita pela opinião pública.

LS: E como você avalia o fato de que ninguém foi punido pela produção e divulgação de todas aquelas mentiras sobre a guerra do Iraque?

PDS: Pode-se discutir muitos detalhes sobre isso. Em meu livro The American War Machinemostro como uma empresa privada foi paga para produzir informação de inteligência sobre se Sadam tinha ou não armas de destruição em massa, e aquela empresa concluiu que sim, que Sadam tinha armas de destruição em massa: a empresa chama-se Science Applications International Corporation,  SAIC. Depois, quando afinal já ninguém acreditava que houvesse lá as tais armas de destruição em massa, o problema passou a ser entender como, afinal, o governo fora convencido de que havia as tais armas. E qual foi a empresa selecionada para explicar o que havia sido tão espantosamente mal feito na “investigação” inicial de inteligência no Iraque? A mesma empresa Science Applications International Corporation , SAIC!

Science Applications International Corporation,  SAIC

Penso mais ou menos como o Bispo Tutu da África do Sul: acho que precisamos de verdade e de reconciliação; é mais importante hoje, do que mandar gente para a cadeia. Precisamos tão urgentemente de verdade que nem me incomodaria adiar a prisão dos bandidos, se isso ajudasse a encontrar a verdade. Porque, se os EUA conhecermos a verdade, será possível pensar, por exemplo, no fim do estado de emergência que ainda continua implantado aqui – renovado por Obama ano após ano (tem de ser renovado anualmente), sem qualquer discussão. Com informação verdadeira e bem provada, o Congresso poderia afinal fazer o que é sua missão – em vez de só pensar em estados de emergência, programas Continuidade do Governo, em tripudiar sobre a Constituição dos EUA. Quanto maior a quantidade de informação verdadeira sobre essas coisas, mais rapidamente os EUA voltarão a ser o que um dia foram, que nunca esteve sequer perto do ideal, mas sempre foi muito, muito melhor do que os EUA que há hoje.

LS: Os interesses de Wall Street estão implantados no fundo do coração do estado profundo?

PDS: Ah, sim, estão. Em meu livro… A noção inicial do estado profundo é que todas as instituições públicas estão sendo sobrepujadas pela Agência de Segurança Nacional, pela CIA, pelo Comando de Operações Especiais Conjuntas e pelo Pentágono – todas essas novas instituições secretas – e aí está o primeiro nível do estado profundo. Mas essas agências são poderosas porque têm conexões fora do governo; elas não reportam só ao Presidente – especialmente a CIA, e é fácil provar – mas também têm raízes em Wall Street, estrutura que foi projetada de fato por Allen Dulles, quando ainda era advogado em Wall Street, antes de passar a trabalhar na CIA.

E a CIA é tão poderosa por causa dessas conexões com Wall Street e – o que sempre foi praticamente a mesma coisa – por causa de suas conexões com o big oil, porque as gigantes do petróleo sempre tiveram sede em New York e, reunidas, operavam como cartel cujo advogado, sempre muito bem-sucedido, era o escritório Sullivan & Cromwell, escritório de advocacia em Wall Street, cujos principais sócios eram – não por acaso – John Foster Dulles e Allen Dulles.

John e Allen Foster Dulles

Wall Street, sim, é importante; já era, como é fácil mostrar historicamente, nos anos 1950s, e mostro no meu livro. Hoje é mais difícil provar, mas há muitas pistas. Uma das provas desse “envolvimento” é, hoje, o estado profundo o qual, é preciso reconhecer, vai-se tornando cada vez mais multinacional, ao mesmo ritmo em que as empresas se foram tornando multinacionais. A Exxon é empresa multinacional e há outras, especialmente a empresa Blackwater, que é essa espécie de exército privado que atua em vários locais. Não sei se foi a imprensa alemã… mas acho que, sim, li na imprensa alemã, que a mesma Blackwater ou uma sua subsidiária, está hoje operando na Ucrânia.

LS: É verdade. A imprensa alemã divulgou essa informação.

PDS: O que conhecemos como uma empresa norte-americana mantém hoje, tecnicamente, a própria sede no Qatar, no Golfo Persa. Não é mais controlável. Como as leis vigentes em Washington conseguirão controlar uma empresa cuja sede está localizada no Golfo Pérsico? Assim age o aparelho de um estado profundo supranacional, e teremos de desenvolver instituições supranacionais para controlar essas novas instituições, esses novos tipos de empreendimento, cujo “plano de negócio” inclui provocar agitação e tumultos, porque, nessas condições, os lucros delas aumentam: revoluções coloridas, por exemplo, são bom negócio para elas.

LS: Duas perguntas pessoais, que deixei para o fim. Como você lida com o fato de que, de tempos em tempos, você é desmentido pelo governo dos EUA e tratado, pelos jornais, como maníaco de teorias conspiracionais? E como você lida com a tristeza, o desencanto que, com certeza acompanha todos os seus livros e toda a sua obra. Quero dizer: leio o que você escreve e, sempre, depois da leitura, mergulho em depressão profunda. Queria saber… Acontece também com você, afinal, você é quem investiga, descobre e escreve aquelas coisas. Você é o homem que tem de enfrentar a verdade. Como você lida com ela?

PDS: Bem… Acabei por aprender a esperar cada vez menos, durante a minha existência. Sou… pode me chamar, sim, de teórico de teorias conspiracionais, porque, para mim, é como um título de honra. Não sei se você já percebeu, mas estou posto na mesma categoria do pessoal que pesquisa seres extraterrestres e abduções e coisa e tal. Para mim, é o meio que encontraram de não ter de argumentar sobre o que eu estou realmente investigando, descobrindo e publicando. Recebo a reação deles como uma espécie de homenagem ao contrário.

Não sei se compreendi bem a sua pergunta, mas se você perguntou como lido psicologicamente com o fato de não ser ouvido… Às vezes, na minha vida, foi muito difícil. De fato, lá por 1980, estava com um livro pronto para publicar, primeira edição de 250 mil cópias, já em impressão, sobre o assassinato de Kennedy. E meu editor cancelou a publicação; para mim foi horrível, caí numa espécie de depressão. Mas foi das melhores coisas que me aconteceram, porque daquela depressão comecei a escrever um poema-livro intitulado Coming to Jakarta – que lida com a depressão e lida com o terror e lida com questões que estavam realmente me atormentando. O outro livro, que não foi publicado, não tem, nem de longe, a mesma importância, para mim, que Coming to Jakarta, que resultou do cancelamento do outro livro. Recebi a coisa toda como um golpe de sorte.

Vivo hoje um segundo casamento bem-sucedido, e me sinto amparado por pessoas como você, Lars, na Alemanha, e conheço também alguém que vive atualmente em Moscou; e tenho meu tradutor francês (Maxime Chaix). Todos são pessoas maravilhosas, e é um grande privilégio conhecer e trabalhar com vocês. E, porque sempre acreditei que a tarefa da minha geração seria lançar as bases do que um dia será uma opinião pública global, uma sociedade civil global, e acho que já começou a acontecer, nunca mais me senti deprimido.

É tudo ainda muito frágil, porque depende da Internet e a Internet é “brinde” que, assim como nos foi dada pode nos ser tomada pelo poder, e bem facilmente, e várias vezes é. Minha página em Facebook foi cancelada, num certo momento, não sei por quê, talvez até acidentalmente, porque estavam tentando pegar outra pessoa. Quero dizer: é tudo muito frágil, mas está funcionando. Pode ser suprimida… mas, qualquer coisa pode ser suprimida.

Creio firmemente na bondade essencial dos seres humanos e também creio que sempre houve governos péssimos, desde o começo do mundo, o que nos fez regredir várias vezes… É verdade, sim, que fizemos alguns progressos em alguns pontos, mas fizemos o oposto de qualquer progresso em outros aspectos, porque, hoje, os riscos de a humanidade se autodestruir são maiores do que eram há cem anos. Nisso, não houve progresso algum. Em meus livros de poemas costumo escrever que sou rematado idiota por insistir em escrever sobre política. Muitas vezes sinto-me como rematado idiota. Mas gosto do que faço, gosto de conversar com você. E vou levando.

Nota de rodapé

[1] Dana PRIEST e William ARKIN: Top Secret America: The Rise of the New American Security State, Little Brown, New York, 2011, p. 52.

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[*] Peter Dale Scott (nascido em 11/1/1929) é um poeta canadense, ex-diplomata e ex-professor de Inglês na University of California, Berkeley. É ácido crítico da política externa americana desde a época da Guerra do Vietnã. Scott foi um dos signatários, em 1968, do “Writers and Editors War Tax Protest”, no qual os participantes juraram recusar o pagamento de impostos, em protesto contra a Guerra do Vietnã. Passou quatro anos (1957-1961) no serviço diplomático canadense. Aposentou-se do corpo docente da UC Berkeley, em 1994.

Scott tem escrito sobre o papel do “Estado Profundo” (em oposição ao “Estado Público”) dos EUA rejeitando o rótulo de “Teoria da conspiração”. Usou a expressão “Política Profunda” para descrever suas preocupações políticas. Seu interesse pela história contemporânea transbordou em suas obras de poesia, algumas das quais contém notas marginais para explicar aos leitores que documentos ou eventos de notícias do mundo real estão sendo mencionados. Seu livro, The Road to 9/11 (2007), trata de contexto geopolítico de eventos que levam a 11/09, e argumenta que “como a política externa dos EUA desde a década de 1960 levou a encobrimentos parciais ou totais das infrações penais nacionais anteriores, incluindo, talvez, a catástrofe de 9/11”. Seus livros The Road to 9/11 e American War Machineestão disponíveis em francês sob os títulos La Route le Nouveau Désordre Mondial e La Machine de Guerre Américaine. Seus livros foram traduzidos para o francês, alemão, italiano, espanhol, russo e indonésio. Seus artigos foram traduzidos para 16 idiomas, incluindo o turco, árabe, persa, chinês e japonês.

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[*] Lars Schall é um jornalista alemão independente, especializado em Finanças e está na sua pauta a dimensão financeira das atividades da Agência de Segurança Nacional dos EUA e seus cúmplices bem como as implicações dessa espionagem nas negociações internacionais e as habilidades técnicas e tecnológicas colocadas à disposição das agências de inteligência. Particularmente discute a nazi-fascistização dos EUA. 

Fonte:  Rede Castor

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